Seilert (repositorium)

Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

ALERTA AOS EXPLORADORES DA TERRA

Villi F. Seilert[1] 

(Dez/2009)


Em plena semana da COP15, pelo que se vê, provavelmente Copenhague não tomará decisões positivas em direção às medidas eficazes para o controle do aquecimento global em escala planetária. Afinal, parece que os governos dos Estados Unidos e dos países da União Européia não reagem positivamente na proporção das suas responsabilidades como maiores poluidores, tampouco os países em desenvolvimento aceitam tamanha conta da qual passam a ser, cada vez mais, coautores e cúmplices.

Nem seria de se dizer que é um problema de falta de provas das causas e conseqüências do aquecimento global, enfim, os fatos estão convencendo a todos, mais uma vez dispensando a (in)suficiência das ciências, como sempre contra-argumentam os céticos.

Fato é que acabou o tempo de manter a inércia sob o argumento de que a ciência é incerta. Melhor não esperar para confirmar se ela está certa ou errada, pois quando o soubermos já será tarde demais para agir eficazmente. Neste caso o problema é antes de tudo metodológico: não se terá como repetir a experiência, pois há uma só terra e nós uma só vida.

Mas é o medo de perder que mobiliza a todos - a uns os lucros escorchantes e a outros o direito de viver.

Bem, se o argumento prevalente deva ser o dos lucros, os mercadores fazem as contas e também estão percebendo que os custos serão enormes e crescentes a cada dia que as decisões forem proteladas.

Felizmente, sob o ponto de vista econômico as evidências também sugerem que os custos da ação não devam ser superiores aos prejuízos em médio prazo. Nessa direção o mais recente Relatório de Desenvolvimento Global do Banco Mundial[2] argumenta que os custos de restrições mais rígidas contra emissões seriam modestos.

Segundo aponta o Jornal Financial Times (não é o Greenpeace!), em artigo do colunista Wolf Martin, publicado na ultima quarta feira[3], 02/12/09, apenas a redução das emissões obtida com a substituição da frota norte-americana de veículos utilitários e esportivos por outros com o padrão de economia de combustível da União Européia já compensaria as emissões do fornecimento de eletricidade para 1,6 bilhão de pessoas atualmente sem acesso a ela. Eis uma razão consistente da resistência dos pobres e emergentes.

Também a Agência Internacional de Energia (AIE) em seu Panorama Energético Mundial sugere que para atingir níveis razoáveis das emissões a 450 partes por milhão, o nível considerado consistente com o aumento médio da temperatura global de cerca de 2ºC, e que cada ano de atraso na ação necessária acrescentaria US$ 500 bilhões adicionais ao custo global estimado de US$ 10,5 trilhões.

Sugere Wolf no mesmo artigo que o cenário alternativo é bem diferente: em vez de 40,2 Gigatoneladas (Gt) de emissões relacionadas a energia em 2030, nós teríamos apenas 26,4 Gt – uma imensa diferença. Segundo ele, mesmo na posição mais otimista, as atuais ofertas ficariam aquém em cerca de um terço das reduções necessárias até 2020 para se chegar a um teto de 450 partes por milhão de equivalente a CO2.

Como se vê Copenhague vem tarde para que nossos filhos não arquem com a conta dessa irresponsabilidade.



Belo Monte - Desmatamento versus PIB-Municípios

Villi Seilert em: "O DESFLORESTAMENTO E SUAS CORRELAÇÕES
NO ALTO-XINGU: a essencialidade dos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio ecológico do Planeta Terra." Dissertação de mestrado, UCB, dezembro de 2011.


De acordo com diagnóstico socioeconômico e cultural para a “Área de Abrangência Regional (AAR)” - parte do EIA-RIMA da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Leme Engenharia Ambiental, 2009, p. 184) - a taxa de 26% de desmatamento verificado na ARR de Belo Monte foi maior que a do Mato Grosso, de 22%.
Segundo aquele estudo, nos municípios do Médio Xingu, onde se localizam São José do Xingu, Santa Cruz do Xingu e São Felix do Araguaia, por exemplo, as taxas de desmatamento são superiores a 50% das respectivas áreas municipais. Da mesma forma, o desmatamento relativo se mostra elevado nos municípios do Alto Xingu, com agricultura consolidada, considerada região de colonização, com destaque para Sinop e Vera, com 63% e 65%, respectivamente.
Levando à comparação uma sequência de dados relativos ao desmatamento do INPE-PRODES com os dados do PIB per capita dos municípios em 2006, o estudo indica a hipótese de que onde o PIB per capita é maior, nos municípios do Mato Grosso são identificados as maiores perdas florestais.  Por sua vez, observou-se que as mais baixas percentagens de desmatamento acumulado até 2006 coincidem com municípios com predominância das atividades extrativas, sempre inferiores a 5%. Nestes municípios o PIB per capita é quase sempre inferior a R$ 2.000
Em síntese os dados revelados pelo citado diagnóstico ressaltam as discrepâncias de percentuais de desmatamento entre os municípios da AAR, [...] apontando para o fato de que, de um modo geral, há uma correlação negativa que associa o desmatamento e melhores indicadores de renda per capita na AAR do AHE Belo Monte, correlação esta vinculada a um determinado modelo de desenvolvimento agropecuário que é associado à derrudaba em áreas florestadas. (EIA-RIMA, Meio Socioeconômico e Cultural, Leme Engenharia Ltda, 2009, p 184-186).

Villi Seilert em: "O DESFLORESTAMENTO E SUAS CORRELAÇÕES
NO ALTO-XINGU: a essencialidade dos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio ecológico do Planeta Terra." Dissertação de mestrado, UCB, dezembro de 2011.

Numa tentativa de ocupar espaço ante o fracasso das políticas macroeconômicas por respostas mais positivas ao desenvolvimento, a questão da sustentabilidade passou a se tornar referência na abordagem do tema do valor da natureza. Assim também a visão sistêmica, que envolve as mais diversas áreas do conhecimento, vem se tornando um referencial metodológico para o desenvolvimento da ciência (SACHS, 1994).
Dentro dessa tendência é de se observar, conforme pontua Amazonas (2001, p. 107), que no debate do desenvolvimento sustentável a questão ambiental se tornou variável determinante e o tema tem sido analisado quase sempre sob o prisma das teorias econômicas.
Segundo Amazonas (2002, p.108) as questões postas pelo desenvolvimento sustentável buscam determinar o que virá a ser “uso sustentável” dos recursos naturais e quais as condições necessárias para realizá-lo.
E dessas indagações geralmente desembocam duas outras questões que, por sua vez, projetam soluções divergentes: a primeira procura responder sobre qual o melhor “uso sustentável” dos recursos naturais de modo que a sua disponibilidade se mantenha em bom fluxo e de modo perpétuo. A outra, responde sobre qual o melhor uso dos recursos naturais de modo a permitir a perpetuação da humanidade e a qualidade de vida em escala global e intergeracional. A primeira pergunta tem sido a estrutura da gramática do pensamento econômico neoclássico e a segunda tem ocupado espaços periféricos no pensamento científico.
Sem dúvida, na história das ciências econômicas os “recursos naturais” sempre estiveram na ordem dos elementos do sistema produtivo humano, porém nem sempre assim interpretado. Ou seja, a posição ocupada pela natureza dentro da discussão econômica se deu basicamente em função da compreensão sobre como os recursos naturais são alocados no processo produtivo. A este respeito confirma Romeiro (2003, p.1), “a natureza sempre foi um problema, em última instância, de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimento.”
Mueller (2007) lembra que a questão da natureza tomou conotações diferentes no curso histórico do desenvolvimento do pensamento econômico. Na primeira fase com os economistas fisiocráticos (Século XVIII – como Quesnay, Nemours, Turgot e outros) a questão dos recursos naturais teve importância central no estudo do valor e no entendimento sobre como devia funcionar a economia e a sociedade.
Na escola fisiocrática, ainda segundo Mueller, a questão dos bens naturais teve forte influência no pensamento econômico, não só por que a natureza era entendida como a verdadeira fonte de riqueza - na medida em que a agricultura era a atividade capaz de produzir excedente - mas também por causa da visão de que a natureza – como precedente a todas as instituições humanas - era o modelo no qual toda a humanidade e todas as classes sociais estariam vinculadas e dependentes.
Os fisiocráticos introduziram a idéia de ordem natural ao pensamento econômico. Entendiam que o funcionamento da economia correspondia a uma ordem natural. E de acordo com essa idéia, as leis da natureza governam as sociedades humanas da mesma maneira que as descobertas das leis da física governam o mundo físico.
Todas as atividades humanas, portanto, deveriam ser mantidas em harmonia com tais leis naturais. Neste sentido Machado (2007) sugere que em última análise o objeto de todo estudo científico era descobrir as leis sob as quais todos os fenômenos do universo estavam sujeitos. Assim, na esfera econômica, as leis da natureza conferiam aos indivíduos o direito natural de usufruir os frutos de seu próprio trabalho, desde que isso fosse consistente com os direitos de todos.
No século seguinte, com o processo de industrialização, os recursos naturais passam a ocupar um papel secundário na ordem dos fatores da produção industrial e na teoria econômica. Nascia a escola clássica.
Segundo Mueller (2007, p. 121) foram os economistas clássicos que a partir do final do Século XVIII fizeram do estudo da economia uma disciplina. Uma das preocupações dos clássicos consistia em verificar se o incipiente capitalismo industrial tinha como se firmar e continuar a se expandir. E uma das suas contribuições foi tentar explicar as razões do crescimento econômico, como desenvolveu Adam Smith na sua obra “A Riqueza das Nações”.
E os clássicos fizeram isto focando o sistema econômico no meio ambiente, embora esse último fosse tratado no sentido de fonte benevolente e inesgotável. Os clássicos reconheciam, como se refere Mueller (p.122), “as dádivas gratuitas da natureza”, mas não manifestavam quaisquer preocupações com a questão dos impactos dos outputs dos rejeitos do sistema econômico no meio ambiente.
Citando Deane, Mueller (p. 120) sugere que, embora com uma compreensão de um meio ambiente benevolente e passivo, não significa que os clássicos não vislumbravam a possibilidade do meio ambiente impor limites ao crescimento econômico. Para Smith (1999 [1776]), pp. 77-91) o crescimento econômico resultaria da acumulação de capital mediante o uso de força de trabalho crescente e cada vez mais produtiva e especializada.
Assim, a acumulação de capital possibilitaria a ampliação do emprego e de mercados. E em isto ocorrendo o lucro se expandiria e, com ele, mais acumulação de capital; por fim resultando num processo cumulativo de expansão econômica. No entanto, esse processo encontraria um limite: o crescimento da população, na medida em que “o tamanho máximo da população de um país era determinado pela capacidade de sua agricultura de alimentá-lo”. (MUELLER, p.122).
Aí estava, na vertente dos clássicos, a percepção do limite do crescimento econômico dado pelo meio ambiente: as terras agricultáveis estabelecendo barreiras para o aumento da produção de alimentos e, portanto, ao aumento da população e este resultando no cessar do crescimento econômico. Era o que outros clássicos denominaram “estado estacionário”, idéia cogitada pelos sucessores de Smith, como Ricardo, Malthus e Mill.
Para Ricardo (1996 [1923], pp. 49-60), dentro de um esquema simples de livre concorrência, a distribuição entre retorno do capital e pagamentos aos proprietários de terras ocorria segundo o processo de distribuição e ocupação das terras. Na ocupação das terras, chegar-se-ia inclusive às menos férteis, quando ocorreria a situação na qual o produto líquido extraído das terras não férteis seria suficiente tão somente para a subsistência dos trabalhadores (custos). Nas terras férteis seriam geradas rendas diferenciadas e crescentes, sendo apropriadas pelos proprietários de terras, decorrentes da dedução do produto líquido gerado.  Em síntese, neste esquema a taxa de lucro estaria reduzida a um mínimo e o sistema (produtivo e econômico) entraria em processo de estacionamento, com o suficiente para repor apenas o desgaste do capital no processo produtivo. Neste sentido diz o próprio autor
Em todas as nações adiantadas, aquilo que se paga anualmente ao proprietário da terra e que participa de ambas as características — da renda da terra e do lucro — se mantém, algumas vezes, estacionário, graças aos efeitos de causas contrárias; em outras épocas avança ou retrocede, na medida em que uma dessas causas prevalece. Quando, portanto, mais adiante, eu me referir à renda da terra, deve entender-se que falo da compensação paga ao seu proprietário pelo uso das forças originais e indestrutíveis da terra. (RICARDO, 1996, [1923], p. 50)

Para Smith o dito estado estacionário ocorreria antes que a sociedade tivesse atingido um melhor nível de vida, depois de se eliminar a miséria da grande maioria da população. Já para Stuart Mill o estado estacionário ocorreria com as melhorias nas condições de vida do conjunto da sociedade. O progresso tecnológico atuaria para deslocar o estado estacionário para um futuro remoto. E ao ocorrer todos já teriam alcançado um elevado padrão de vida. Neste estágio a acumulação de capital cessaria e a atenção da sociedade se voltaria para a cultura, o lazer e a evolução espiritual e solidária. Neste sentido diz o autor
Estou propenso a crer que essa condição estacionária representaria no conjunto, uma enorme melhoria de nossa condição atual. Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é o de sempre lutar para progredir do ponto de vista econômico; que pensam que atropelar e pisar os outros, dar cotoveladas e andar sempre no encalço do outro são o destino mais desejável da espécie humana, quando na realidade são os sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso industrial (MILL, 1983, p. 252).

Em resumo vale frisar que os recursos naturais, juntamente com o capital e a força de trabalho (a mão-de-obra), eram elementos explícitos da teoria econômica clássica, cuja relação determinava o limite do crescimento e este, em última análise, determinado pelo próprio limite dos recursos naturais. Eis a síntese do ciclo do estado estacionário do crescimento.
Já a escola neoclássica, emergida nos meados do século XIX, adotou semelhante epistemologia. No entanto, ignorou a função dos recursos naturais. Numa época em que a Europa consolidou um sistema de produção industrial baseado na expansão mercantil sobre as colônias inglesas da América do Norte, Sul e Oceania - considerando também que o fator tecnológico garantiu maior oferta de alimentos - os neoclássicos centraram suas teorias econômicas na observação desses países cuja indústria já tinha alcançado uma posição consolidada.
Nicholas Georgescu-Roegen (1971) ao desenvolver sua teoria da lei da entropia sustenta que o processo produtivo – além dos fatores ricardianos - terra, mão-de-obra e capital – prescinde de insumos fornecidos pela natureza para o seu resultado em produtos. E, como resultado adicional, gera outputs que retornam à natureza através de resíduos e rejeitos. Este sistema é desenvolvido pelo autor através de um fluxograma de circulação da matéria e da energia no processo produtivo.
Embora tenha já havido outros autores, a exemplo de Kapp (1950), que bom tempo antes do início das discussões sobre o desenvolvimento sustentável, se antecipavam na análise do problema dos custos sociais e ambientais do processo produtivo na empresa, foi só no final da década de 70 - e no Brasil na de 80 - com o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, que a questão dos limites impostos pelo meio ambiente voltou à pauta dos estudos do desenvolvimento.
Assim, Romeiro (1999) aponta que o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu, no início da década de 70, com o nome de “ecodesenvolvimento”. De fato Sachs (2004) sugere que o termo surgiu como uma resposta à polarização do debate com a publicação do relatório do Clube de Roma – “Os Limites do Crescimento”. Romeiro et al. (2009, p. 47) sugerem que o relatório de Donella Meadows
opunha partidários de duas visões distintas sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente: de um lado o que o autor denomina de possibilidades culturais ou tecno-cêntricos radicais para os quais os limites ambientais ao crescimento econômico são mais que relativos diante da capacidade inventiva da humanidade [...] considerando o crescimento econômico como uma força positiva capaz de eliminar por si só as disparidades sociais com um custo ecológico tão inevitável quão irrelevante diante dos benefícios obtidos; e de outro [...] os deterministas geográficos ou ecocêntricos radicais, para os quais o meio ambiente apresenta limites absolutos ao crescimento econômico [...].
Ou seja, segundo Romeiro o conceito de ecodesenvolvimento surge como uma posição conciliadora, pelo qual se reconhece que o progresso tecnológico relativiza os limites colocados pelo meio ambiente.
Por outro lado, desenvolvimento sustentável, na conotação dada por Sachs (2004), se associa ao que ele chama de ética intergeracional, ou seja, padrões de atitudes humanas pelos quais a questão do desenvolvimento não se restringe aos fatores do crescimento da renda, mas avança para garantir padrões de qualidade de vida da presente e futuras gerações, sem comprometimento do meio ambiente.
Romeiro et al. (p. 49) prefere dizer que desenvolvimento sustentável é o rebatismo do velho crescimento econômico.
Essa bifurcação conceitual está refletida em duas correntes modernas de interpretação das relações econômicas com o meio ambiente: a economia ambiental e a economia ecológica.
Para a economia ambiental mais tradicional (COASE, 1960; MOTTA, 2006) as soluções adequadas são aquelas que possibilitem o livre funcionamento dos mecanismos de mercado. Tais soluções não necessitam desconsiderar o caráter coletivo dos bens e serviços da natureza, bem como os fatores histórico-culturais e os direitos dos seus usuários e produtores. Esta solução dar-se-á bastando apenas considerar os “direitos de propriedade” – proposta por Coase (segundo enfoque dado em “The Problem of Social Cost”(1960)), diga-se de passagem, bem diferente em “The Social Costs of Private Enterprise, de Kapp, (1950) – e a valoração e imposição econômica pelo Estado – com a a introdução das taxas pigouviana, tão marcante nas políticas de comando e controle.
Motta (2006) propõe ainda que é o fator da escassez dos bens naturais que justifica a estimação de valor econômico. Considerando que "[...] grande parte dos ativos ambientais está sujeita à degradação, à exploração de uso pelo homem, implicando vultosos investimentos, análises da capacidade de suporte e custos de preservação, torna-se necessário buscar métodos que possibilitem avaliá-los em termos econômicos”.
Por sua vez Mota (2000) sugere que a valoração dos recursos naturais “resume-se num conjunto de métodos para se mensurar os benefícios proporcionados pelos ativos naturais e ambientais, os quais se referem aos fluxos de bens e serviços oferecidos pela natureza às atividades econômicas e humanas”. Assim, segundo o eminente professor, os métodos de valoração ambiental – como os métodos “custo de viagem” e “o valor contingente” – permitem mensurar os benefícios com base na “disposição de pagar” dos usuários dos serviços de serviços naturais, “cujo valor é frequentemente estimado em função de variáveis socioeconômicas.”
Assim, para a economia ambiental, segundo os citados  autores, o problema da escassez de recursos naturais – ou serviços ambientais – se traduz em elevação dos preços, como qualquer situação de escassez de oferta frente à demanda. Um elemento típico do pensamento econômico neoclássico que influenciou a idéia de soluções de controle ambiental.
Disposição de pagar, medida por instrumentos de enquetes, então é introduzida como conceito metodológico para resolver o problema das falhas de mercado na valoração direta de bens públicos não transacionáveis em mercados (como os bens e serviços ambientais). Um conceito que parte do princípio que toda externalidade, toda contribuição de um recurso natural e de um serviço ambiental pode receber uma valoração monetária pelo mercado – no caso de falha, então este valor é imputado pelo Estado.
Importante salientar, como confirma Mota (2000 p.1), o conceito de “disposição de pagar” insere o meio ambiente no sistema econômico ex post impacto, a forma mitigadora pela “internalização das externalidades”. Porém, alerta o autor, “o valor da disposição de pagar dos usuários em uma dimensão que não é somente socioeconômica, mas também comportamental e atitudinal em relação ao meio ambiente.”
Amazonas (2006) avalia que a valoração ambiental neoclássica é a expressão monetarizada de um bem ou serviço ambiental em termos de utilidade, bem estar ou das preferências individuais sobre aqueles. Mas como preço se define no mercado e os bens ambientais não se encontram nele, então essa precificação se dará "baseada nas preferências individuais reveladas pelo conceito de disposição a pagar".
Adiante Amazonas conclui: "os procedimentos e métodos de valoração ambiental que a teoria neoclássica desenvolveu, são todos baseados no princípio de resgatar as preferências individuais e os valores a estas associadas..." (NOBRE et al., 2002).
Vale dizer, como as mercadorias comuns são negociadas no mercado regulado pela relação entre oferta e demanda e que, por sua vez, os bens e serviços ambientais não dispõem desse mercado regulador de preços, então os métodos de valoração passariam a cumprir a função de correção desta "falha de mercado" através de um "mercado hipotético".
Porém, como ainda argumenta Amazonas (2006), existem valores ambientais externos ao conjunto dos valores econômicos expressos monetariamente pelo mercado, ou seja, que alguns bens "pertencem ao conjunto valorativo humano ético normativo, que transcende a valorização econômica estrita", ou "valores sociais de dada sociedade" que são expressos em "valores econômicos" e em "valores não-econômicos".
Porém, Mota (2000, p. 197) alerta que os métodos de valoração, enquanto subsídio à gestão ambiental, sendo ferramentas versáteis para a avaliação do valor da natureza, só ganham efetividade nas políticas públicas ambientais, “especialmente as que buscam proteger o meio ambiente dos agentes e das ações dos degradadores (...) a partir da inserção da ética no processo de escolha.”
Por sua vez Alier (2007, p.45) acentua que a economia ecológica é um recente campo transdisciplinar de estudos que vê a economia como um “subsistema de um ecossistema físico global e finito”. Segundo o autor, os “economistas ecológicos questionam a sustentabilidade da economia devido aos impactos ambientais e as suas demandas energéticas e materiais, e igualmente ao crescimento demográfico”.
Segundo o autor, os economistas ecológicos trabalham com ferramentas de atribuir valores monetários aos serviços e às perdas ambientais, como tentativas de corrigir a contabilidade macroeconômica. Contudo, a sua contribuição principal é “o desenvolvimento de indicadores e referências físicas de (in)sustentabilidade, examinando a economia nos termos de um metabolismo social” (ALIER, 2007, p 45).
Na mesma linha de argumento, sugere o autor que os economistas ecológicos também utilizam métodos de avaliação da relação entre os direitos de propriedade e de gestão dos recursos naturais, modelando as interações entre economia e meio ambiente, através de ferramentas de gestão como Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Multicriterial para tomadas de decisão, propondo assim novos instrumentos de política ambiental.
Costanza (1991) refere-se à economia ecológica como “a ciência e gestão da sustentabilidade”. Costanza reputa o nascimento da economia ecológica a um grupo de economistas que, enfim, ainda que não vindos de uma escola propriamente dita, são identificados como economistas ecológicos. Entre eles destaca Kenneth Boulding (1910), Karl William Kapp (1910) e Von Ciriacy-Wantrup (1906) - estes dois últimos chamados, ora institucionalistas (ALIER, 2007, p.46), ora independentes (SACHS, 2004) - Georgescu-Roegen, com a sua obra “A lei da entropia e do processo econômico” (1971) e T. H. Odum (1924) nas suas análises do uso da energia na economia. Herman Daly, ex-aluno de Georgescu, também é indicado como membro deste eminente círculo de pensadores fundadores da economia ecológica.
Deduz-se dos argumentos de Alier que na economia ecológica, raiz de tal pensamento econômico em formação recente, discute-se que a economia está inserida no ecossistema e que esta inserção é dada pela percepção histórica e social do ecossistema. Seu estudo também considera a estrutura de direitos de propriedade sobre os recursos e serviços ambientais, mas dentro de uma distribuição social do poder e da riqueza, por estruturas de gênero, classe social ou de casta (etnia), compondo assim vínculos com a economia política e com a ecologia política (ALIER, 2007, p 48).
Outra questão que está articulada com a base conceitual da economia ecológica, também segundo Alier (2007, p. 51), é a relação entre produção e distribuição dos bens ambientais, da mesma forma que a distribuição precede às decisões da produção em todas as relações de produção – inclusive nos regimes escravagista e assalariado.
Sob o viés ambiental (e não só econômico) não se poderia tomar qualquer decisão sobre a produção enquanto não houver bases para um acordo ou norma sobre como os recursos naturais seriam apropriados e como seus “resíduos” seriam destinados.
Assim, por exemplo, diz o autor, “a decisão de produzir energia elétrica [...] requer uma decisão prévia sobre a destinação dos dejetos [..]” incluindo a discussão sobre quem desfruta o direito de propriedade e usufruto desses territórios. Pois, se em termos econômicos tais “externalidades” podem permanecer fora da contabilidade dos resultados e dos balanços dos empreendimentos, as decisões certamente seriam diferentes caso tais passivos fossem incorporados na sua conta “desde o berço até o tumulo” ou vice-versa.
Ressalta Alier que na economia ecológica, as ferramentas de aproximação do estudo de valor da natureza estão mais para a Oikonomia (aprovisionamento material da casa familiar) do que para a Crematística (estudo da formação dos preços de mercado), no sentido de que “a economia ecológica não se compromete com um tipo de valor único. Ela abarca a valoração monetária, mas também avaliações físicas e sociais das contribuições da natureza e os impactos ambientais da economia humana mensurados nos seus próprios sistemas de contabilidade” (ALIER, 2007, p 53).
Enfim, pode se dizer que há um certo consenso entre os autores de alinhamento com a economia ecológica que um dos principais elementos desta disciplina emergente é o estudo de diferentes processos de tomadas de decisões, “num contexto de conflitos distributivos, valores incomensuráveis e incertezas em solução”.
Conforme Daly e Farley (2000) a economia ecológica coloca a escala como princípio basilar no tratamento de políticas públicas que garantam o “uso sustentável” dos recursos naturais. Romeiro (2009, p.57) sugere que esta escala é impactada por mecanismos atrelados às políticas ambientais, como os casos da “regulação direta” (no caso das normas de proibição governamental para uso de determinadas substâncias ou recursos pela iniciativa privada), as licenças de comercialização” e as taxas ambientais (de origem pigouviana).
Romeiro (2009, p.57) faz interessante síntese a respeito do desafio da economia ecológica no seu objeto de estudo e metodológico, conforme citado:
Parece claro, portanto, que para os economistas ecológicos, as escalas em quantidades de bens e serviços ambientais que serão usadas como parâmetros físicos aos quais deverão se ajustar às variáveis não físicas da tecnologia, das preferências e da distribuição de renda. A determinação de uma escala sustentável, por sua vez, da mesma forma que uma distribuição justa, envolve valores outros que a busca individual da maximização do bem-estar individual, como responsabilidade intra e intergeracional [...] Qualquer trade off entre esses três quesitos envolve julgamento ético sobre a qualidade das relações sociais, e não um cálculo frio sobre as disposições de pagar.

Por fim, vale ressaltar que padrões de comportamento e fatores culturais, elementos essenciais para o conceito de sustentabilidade não poderiam ser excluídos das decisões das instituições que lidam com os processos sociais.
A este respeito Opschoor (1994, pp. 4 e 5) sugere que as instituições que atuam sobre a tomada de decisões sob as forças de mercado excluem os valores da sustentabilidade. Para ele as instituições deveriam ultrapassar estes mecanismos, reconduzindo padrões de comportamento, convenções sociais e organizações que influenciam o comportamento humano. Neste sentido, instituições envolvem tanto organizações que determinam convenções sociais, como de administração e mercado, como normas e estruturas que governam valores e costumes que são aspectos centrais do comportamento humano.



Villi Seilert em: "O DESFLORESTAMENTO E SUAS CORRELAÇÕES
NO ALTO-XINGU: a essencialidade dos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio ecológico do Planeta Terra." Dissertação de mestrado, UCB, dezembro de 2011.


Mesmo que se possa dizer que as atividades humanas tenham causado a degradação dos ecossistemas e a perda da biodiversidade, isso não se aplica a todos os lugares e situações. Bhagwat et al. (2005) apontam que na Índia pesquisas notificaram índices de biodiversidade em bosques sagrados e em áreas de plantações multi-específicas, nos mesmos níveis encontrados em áreas protegidas.
Os citados autores observam que florestas sagradas mantidas pelos costumes dos povos tradicionais e paisagens multifuncionais produzidas sob sistemas seculares de usos e cultivos tradicionais, podem ser tão importantes do ponto de vista do equilíbrio ecológico quanto àquelas áreas protegidas por estratégias formais de conservação, como das políticas de implantação de unidades de conservação. Isto quer dizer que existem habitats que emergem de atividades de grupos humanos em ciclos de manejo da terra. Neste caso específico podem se configurar as terras situadas no espaço geográfico conhecido como Parque Indígena do Xingu, objeto da presente investigação.
Esta questão de fundo tem outras conotações. Uma delas diz respeito à relevância dos conhecimentos tradicionais para a manutenção do equilíbrio ecológico em escala local e global, assunto que tem recebido atenção crescente no mundo da pesquisa acadêmica.
No plano internacional a pesquisa sobre o tema vem recebendo fôlego através de multifacetárias linhas de investigação acadêmica. Numa delas, com o enfoque do conhecimento aplicado à gestão de recursos naturais, Berkes et al. (2000) chegam a comparar os conhecimentos tradicionais com as práticas científicas contemporâneas de gestão baseada nos ecossistemas, na medida em que eles incluem princípios da gestão de sucessão, gestão de paisagem, rotação de recursos e gerenciamento de várias espécies da fauna e da flora.
Na mesma linha de raciocínio Lewis e Ferguson (1988), numa concentrada investigação comparativa entre várias culturas dos mais diferentes pontos do planeta, demonstram que muitos e diferentes grupos tradicionais, praticam o manejo do fogo como um recurso eficaz de gestão do solo. Segundo os autores existem notáveis similaridades nas estratégias funcionais utilizadas por esses grupos em áreas tão diversas como no caso de povos localizados no Noroeste do Pacífico dos Estados Unidos, na zona Centro-Oeste Boreal do Canadá, na Tasmânia, como noutras partes do mundo.
Em outro estudo semelhante Davidson-Hunt e Berkes (2003) anotam que a aplicação de conhecimentos autóctones varia desde a clássica agricultura itinerante da Amazônia, até o sistema Kumerachi das florestas temperadas do planalto mexicano, até os povos indígenas nas florestas boreais canadenses.
Sintetizando a confluência entre os conhecimentos tradicionais e a ciência, estudos de Kates e associados (2001) defendem que a investigação científica no ambiente das interações humanas está forjando a emergência do que chamam de uma nova ciência da sustentabilidade. Neste conceito os autores sugerem que o bem-estar da sociedade humana está estreitamente relacionado com o bem-estar dos ecossistemas naturais. Nesta confluência a ciência está necessitando cada vez mais de recursos intelectuais que levem em conta o conhecimento das populações locais. É o que Pandey (2002) reiteradamente chama de etnociência.
Por sua vez Tilman (2000) em importante estudo no campo da ecologia humana propugna a relevância de princípios éticos e políticos inovadores para ações dirigidas para a conservação da biodiversidade e a manutenção das funções dos ecossistemas, sugerindo que tal ética não decorre de forças espirituais ou divinas, mas sim de práticas sociais.
Em estudos semelhantes Cox (2000) e Pandey (2002) concluem que sistemas de conhecimento tradicional local estão desaparecendo a um ritmo que, em sendo assim mantido, não permitirá saber o valor que estes sistemas representariam em comparação com o que já representaram para a sustentabilidade do equilíbrio ecológico global em tempos passados.
No Brasil a pesquisa sobre a interface dos conhecimentos tradicionais com a sustentabilidade ecológica tem merecido atenção de estudos mais recentes, maiormente ancorados nas disciplinas da antropologia, direito ambiental e economia ambiental.
Cavalcanti (2002), em um estudo com enfoque econômico, observa que existem alternativas às formas inspiradas na teoria econômica mecanicista que tentam explicar como os seres humanos lidam com as escolhas que têm de fazer na alocação de recursos, na distribuição dos lucros para o cumprimento dos propósitos do progresso material do desenvolvimento. Essa alternativa está numa outra lógica que advém do entendimento de como as pessoas no plano local tendem a resolver seus problemas econômicos de forma sustentável.
É, pois, no ambiente da antropologia e disciplinas afins que o tema tem encontrado maior volume de pesquisa, uma vez que, via de regra, tais pesquisas perpassam pelos sistemas sociais e culturais de grupos étnicos, particularmente de grupos indígenas e outros que mantém estreitos laços de interdependência com a natureza, como são, por exemplo, as comunidades remanescentes de quilombos, grupos extrativistas e ribeirinhos.
Neste campo de pesquisa acadêmica autores como Melatti (2006), Diegues (2000, 2004), Diegues e Arruda (2001), Franchetto e Heckenberger (2001), Maldi (1998), Schwartzmann e Zimmermann (2005), Little (2002) e outros destacam diversas vertentes de observação de sistemas culturais de povos indígenas e seus impactos sobre o equilíbrio ecológico.
A pesquisa sobre os povos xinguanos e mais particularmente sobre as 10 etnias do Alto-Xingu tem, desde as suas origens etnográficas do Sec. XIX, desde Karl Von den Steinen, sido influenciada pelas descrições dos diversos autores sobre as formas de suprimento de necessidades básicas pelos grupos indígenas, especialmente a adoção de práticas de gestão de território, uso, seleção, melhoramento e povoamento de espécies da flora e da fauna.
Por sua vez, no campo do direito ambiental as pesquisas acadêmicas, mais esparsas e iniciantes, geralmente realçam aspectos de relevância da proteção dos conhecimentos tradicionais com base nos conceitos formulados no ambiente legislativo em torno do avanço do marco legal da proteção dos conhecimentos associados à biodiversidade. Este enfoque evoluiu a partir da edição da Lei 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e regulamentou a criação e a gestão das unidades de conservação, assim como da  Medida Provisória 2.186-16/2001 que dispôs sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional em território nacional.
Esta vertente da pesquisa foi mais recentemente impulsionada pela necessidade de buscar mecanismos formais de controle de práticas dilapidatórias contra o patrimônio biológico. Nesta área de interesse - o saber dos povos indígenas e comunidades locais associado à biodiversidade - vem despertando interesse de inúmeros pesquisadores independentes, como também de indústrias biotecnológicas, na medida em que acessar grupos detentores de conhecimento especializado tornou-se fator competitivo. Comunidades indígenas e locais passaram a ser foco de atenção em razão da constatação de que seus conhecimentos acessados e utilizados, sem ou com seu consentimento e compensação, representam enorme vantagem competitiva para o desenvolvimento de produtos e processos produtivos.
Em contra-reação este interesse sobre o conhecimento tradicional passou a ser alvo de debates, ao ponto de, em 1992, a Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada no Rio de Janeiro, ter reconhecido a necessidade da proteção dos recursos da biodiversidade e os conhecimentos associados.
O tema chegou a receber status de alto interesse na pauta das discussões sobre a propriedade intelectual em fóruns como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), onde se procura compatibilizar o sistema de patentes com o conhecimento dos povos tradicionais.
É em meio a estes debates e pesquisas que surgiu a proposta de criação de um regime sui generis de proteção, diferente de tudo que já se pensou, para priorizar as características de povos indígenas e comunidades locais e de suas inovações e práticas, levando em conta fatores como a natureza intergeracional, coletiva e oral dos conhecimentos.


(1)Apresentação de argumentos introdutórios:

Dados da Organização das Nações Unidas sugerem que “[...] a população do planeta é totalmente dependente dos seus ecossistemas e dos serviços que eles oferecem, incluindo alimentos, água, gestão de doenças, regulação climática, satisfação espiritual e apreciação estética.” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2005, p. 17).
 
Não obstante tal dependência, as atuais políticas de desenvolvimento continuam impulsionando a expansão econômica sobre os biomas e, ao avançar sobre os territórios de alto interesse ecológico, inclusive os habitados, expõem novos limites da tensão entre interesses inversamente opostos em relação à natureza, com um resultado desfavorável à humanidade.

No atual contexto quando afloram inquietações sobre os efeitos do aquecimento global, a questão do homem e da natureza ganha novo corolário. Se por um lado avança o consenso sobre a idéia de que os desequilíbrios nos padrões ecológicos resultam da ação humana, por outro lado é cada vez mais notável que grupos humanos, em certas condições de relações interdependentes com o ambiente, atuam como tributários de serviços ecossistêmicos essenciais para a manutenção das condições da vida. A checagem desta hipótese e suas dinâmicas têm relevância para a assimilação de novos parâmetros de referência para tomadas de decisões sobre determinadas políticas públicas.

Emergem da hipótese central – a interação entre homem e natureza, em casos específicos, para a produção e a oferta de serviços ambientais por populações que habitam territórios de alto interesse ecológico - quatro hipóteses adicionais: (a) que tais bens e serviços podem resultar, inclusive, de padrões de comportamento social fundados em princípios éticos que regulam decisões coletivas nas relações de ocupação, uso e disposição territorial; (b) que tais bens e serviços podem se configurar como novos direitos, passíveis de regulação de modo a serem capazes de resultar em benefícios compensatórios – não necessariamente econômicos - aos seus fornecedores; (c) que tais bens e serviços podem ser considerados e contabilizados como ativos que contribuam para ajudar a equilibrar o balanço dos passivos ambientais gerados pelo atual modelo de desenvolvimento global; e, (d) podem apontar referências para tomadas de decisões replicáveis em políticas públicas associadas ao desenvolvimento sustentável, com efeitos locais, nacionais e transnacionais.

Na investigação do problema primeiramente se propõe a identificar e caracterizar alguns dos elementos das dinâmicas de constituição de alguns desses bens e serviços, bem como os mecanismos de sua evolução construtiva nas relações sociais das populações estudadas. Para isso a pesquisa privilegiará a observação e a análise de processos sociais e culturais associados com a gestão territorial e ambiental e à proteção do território e dos recursos da natureza, assim como do desenvolvimento de conhecimentos e as relações políticas das populações do Parque Indígena do Xingu (PIX) com o entorno e seus agentes políticos, sociais e econômicos.

Em segundo lugar serão averiguados, nessas relações, os fundamentos e princípios implícitos e explícitos nas opções de tais grupos com relação aos processos da ocupação e elegibilidade de oportunidades – não necessariamente econômicas - para os seus produtores.

Vale ressaltar que a pesquisa não terá enfoque econométrico, embora a discussão a respeito dos fundamentos econômicos da questão dos bens e serviços ambientais será considerada. 

Suspeita-se que as atuais aplicações de instrumentos compensatórios de natureza econômica, sejam aquelas fundadas no princípio do “poluidor-pagador” – como as obrigações de fazer ou de não fazer, de reparação do dano e compensação civil e comando e controle – ou mesmo as supostamente instruídas no emergente princípio do “protetor-recebedor” - como o PSA e as Reduções de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), ao se estruturarem sobre o argumento da valoração econômica, acabam por não considerar outras variáveis que são essenciais para a sobrevivência humana, tanto em escala local como regional e global.  Tais fenômenos são os que serão buscados a identificar na pesquisa.

Assim, aqueles fenômenos – os fatores que supostamente estruturam as marcas de comportamento social de resultado preservacionista em relação à natureza de determinados grupos humanos - quando não são considerados nas políticas públicas para efeitos de uma contabilidade geral mais equilibrada, supostamente acabam por contribuir com a expansão dos conflitos distributivos e patrimonialistas do desenvolvimento (ALIER, 2007, p.41), favorecendo os detentores e muito menos os seus produtores.

 (2) O problema a investigar


Como enunciado, parte-se do pressuposto de que diversos grupos humanos são tributários de serviços ambientais essenciais para o equilíbrio da vida humana. Supõe que parte de tais serviços é gerada por e com dinâmicas socioambientais históricas e autóctones, ou seja, dentro de padrões culturais, imemoriais e intrínsecos ao modus vivendi e o modus agendi de grupos específicos.

O propósito é identificar alguns dos tais bens e serviços e as dinâmicas socioambientais de sua produção, assim como se tais dinâmicas comportam elementos que possam ser replicados na solução de problemas que a sociedade nacional ou as sociedades ocidentais enfrentam na relação de consumo com a natureza. Por fim, tratar-se-á de iniciar a caracterização dos fatores por que apenas alguns são meritórias de políticas públicas de solução compensadora por tais serviços.

O estudo se desenvolverá a partir da observação do caso que se localiza limites físicos de um território de 3.276.918 hectares, incluindo a área denominada Capoto-Jarina, com um perímetro de 898 km², localizado no norte de Mato Grosso, limites com o Pará. Tal delimitação coincide com o polígono da unidade administrativa denominada Parque Nacional do Xingu, também denominado Parque Indígena do Xingu (PIX), uma categoria jurídica de Terra Indígena (Arts. 231 e 232 da Constituição Federal e o Decreto 1775, de 08 de janeiro de1996).

A referida unidade encontra-se homologada e regularizada, conforme o Decreto Federal nº 89.618, de 07 de maio de 1984 (SEILERT, 1995, p. 38). De modo extensivo de efeito comparativo o estudo abrangerá o universo das populações localizadas no aqui definido como “Complexo Xinguano”.

O Complexo Xinguano refere-se ao universo geográfico, socioambiental e político onde evoluem dinâmicas internas dos 15 povos indígenas do PIX e, externas, com o modelo econômico representado pela produção agropecuária e agroindustrial e pelas políticas estabelecidas no âmbito dos 11 municípios[1] localizados numa faixa média de 150 km de largura no entorno do Parque do Xingu.

Este universo físico e socioambiental, por sua vez, se insere indiretamente no contexto maior da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu, com área total aproximada de 509.000 km2 que se forma no sentido sul-norte, desde a Região Centro-Oeste, aproximadamente no paralelo 15º S, até o paralelo 3º S, na Região Norte. (ARCADIS, 2009, p. 3). Essa região é habitada por meio milhão de pessoas, sendo que deste total cerca de 15 mil são indígenas, representantes de 24 etnias, sendo que 15 delas estão no PIX (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2010).


(3) Os fundamentos teóricos

Os referenciais teóricos do processo investigativo aqui proposto se apóiam nos seguintes marcos conceituais, transdisciplinares e estruturantes:

O primeiro, parte da hermenêutica do pensamento científico multifocal, complexo e ético em relação ao outro e a natureza - as coisas e os seres.

Essa vertente pressupõe a epistemologia da ética em Kant (1985) conjugada com a teoria do pensamento complexo (MORIN, 1990). Nessa direção servir-se-á daquele caminho epistemológico proposto pelo qual o saber ambiental, na visão de Leff (2001), excede as "ciências ambientais", constituídas como um conjunto de especializações surgidas da incorporação dos enfoques ecológicos às disciplinas tradicionais e acadêmicas.

O saber ambiental complexo que sugere uma mudança na qualidade das relações entre pessoas e coisas. Nesse caso também conflui o sentido de “Eu-Tu” (BUBER apud BARTHOLO, 2001) dando o corolário do sentido da mudança. O Eu-Tu do reconhecimento da integridade de uma pessoa - cultura e ambiente - por outra, com qualidades e defeitos e com seus traços únicos.

O saber ambiental que avança para o terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais (DIEGUES, 2001, p. 75-91)

Evolui para a idéia do “Contrato Social” que propõe a ética da “solidariedade sincrônica com a geração atual”, fazendo ponte de uma nova consciência e ações coletivas baseadas na “solidariedade diacrônica com as gerações futuras” (SACHS, 2008, p. 49), tendo como novo elemento a “responsabilidade para com o futuro de todas as espécies vivas da Terra”- o contrato natural - como base da governabilidade na nossa sociedade (idem, p. 49).

Com o segundo marco conceitual o estudo buscará se servir de elementos da antropologia da territorialidade entre comunidades étnica e culturalmente diferenciadas, ou “terras tradicionalmente ocupadas”, no ambiente do surgimento dos movimentos sociais, como processos que expressam uma diversidade de formas de existência coletiva de diferentes povos e grupos sociais em suas relações com os recursos da natureza. (ALMEIDA, 2001; ARRUDA, 1999; LITTLE, 2002; DIEGUES, 2001; GREGOR, 1977).

O terceiro marco referencial teórico balizará o mérito da abordagem do problema e a vertente central da análise perquirida pelo pesquisador.

Primeiramente trazendo aspectos da abordagem dos recursos hídricos em escala planetária e as referências descritivas sobre sua importância para as necessidades e atividades humanas, como o consumo, alimentação e sistemas produtivos (SHIKLOMANOV, 1993). Situando também as bases do conceito de água como bem econômico manifestado em vários protocolos internacionais e nas políticas nacionais de gestão de recursos hídricos, conforme sugerem Christofidis (2003), Rebouças, Tundisi e Braga (2006) em renomados estudos sobre as disponibilidades hídricas no mundo e no Brasil. Por fim caracterizando a conjuntura hídrica para os povos indígenas do PIX, para o Complexo Xinguano e para o corpo hídrico nacional.

O quarto referencial teórico trará um recorte do tema sob o enfoque da “eco-socio-economia” (SACHS, 2004), com as suas origens em Kapp (1950), numa revisão do pensamento econômico dominante. Esse recorte buscará fontes de entendimento sobre como os fatores sociais e ambientais em escalas múltiplas de tempo e espaço influenciam os processos produtivos, de modo a evitar a simplificação da dominante teoria do crescimento-desenvolvimento, pela qual a solução do custo de elevadas externalidades sociais e ambientais se faz pelo subterfúgio da internalização.

As bases do pensamento da Economia Ecológica virão trazer o aspecto da incomensurabilidade entre fatores econômicos e ambientais, propondo a busca de um novo paradigma transdisciplinar e de foco na ética da responsabilidade. Mais que interdisciplinar (COSTANZA, 1994, p. 111) o desafio é “estimar com segurança a incidência em sociedades os custos e benefícios ecológicos de diferentes ações de gerenciamento de recursos” (NOBRE e AMAZONAS, 2004, p. 82).

Explorará os fundamentos do argumento da (re)valoração econômica ambiental como instrumento subsidiário de políticas que tenham a finalidade de evitar a exploração excessiva dos recursos naturais, renováveis ou não (MARQUES e COMMUNE, 1995), ajudando na determinação de valores de taxas e tarifas ambientais (MOTTA, 1995) e na avaliação de projetos de investimentos públicos e privados.

O quinto marco referencial virá da filosofia jurídica flexionada ao meio ambiente e as relações humanas, donde se explorará construções  “direitos do ambiente” (CANOTILHO, 1995), “dano ambiental” (ANTUNES, 2000),  “sociedade de risco ambiental” (LEITE e AYALA, 2002) “conhecimentos ecológicos tradicionais”  (SANTILI, 2005a, 2005b), “processos inventivos” (CASTILHO, 2003, p.453-472), “representação e legitimidade” (WOLKMER, 2001), “domínios da biodiversidade” e “propriedade intelectual coletiva” (LYRA FILHO, 1999) e aplicação do princípio da precaução no direito ambiental (FREESTONE e HEY,  1996), onde se pretende aduzir elementos jurídicos para o estudo em questão.

Neste enfoque trará bases para a discussão a respeito de compensação ambiental com os fundamentos jurídicos e políticos do conceito de Pagamentos por Serviços Ambientais e políticas compensatórias do tipo Reduções por Desmatamento e Desflorestamento Evitado (REDD), como a tendência que impulsiona o direito ambiental a transitar do princípio do “poluidor-pagador” para o “protetor-recebedor”, como sugerem autores como Bessa (1999), Machado (2002), Milaré (2004) e Wunder (2006). 



[1]São eles: Peixoto de Azevedo, Marcelândia, Feliz Natal, Nova Ubiratã, Paranatinga, Gaúcha do Norte, Canarana, Querência, Alto Boa Vista, São José do Xingu e Santa Cruz do Xingu.

Dois fatos de testemunho ocular formam a mobilização para o projeto de pesquisa que está em curso (veja também parte I):

Fato 1:

No ano de 2002, na cidade de Cuiabá, em evento social que lançava o caderno para o Estado de Mato Grosso do jornal Gazeta Mercantil, um senhor proclamado como o maior empreendedor individual do agrobusiness da soja em escala global, deixava inquieta a platéia de espectadores, enquanto projetava uma síntese do que seria o desempenho de seus empreendimentos, sugerindo assim revelar uma espécie de fórmula de salvação para a economia agrícola nacional a partir de demonstrações do fluxo da expansão do cultivo da soja sobre os biomas do Cerrado e da Amazônia. No episódio o discurso marcou uma posição política entre os “empreendedores da natureza” e os “catadores de coquinhos”, nas palavras do próprio apresentador, referindo-se aos gestores ambientais e aos seus apoiadores.

Três anos depois do episódio o Estado de Mato Grosso foi apontado como o responsável por quase a metade (48,1%) do total desmatado na Amazônia Legal (INPE, 2004 e 2005).

Na medida do crescimento do desmatamento sobre as florestas o maior grupo do agronegócio brasileiro, coincidentemente de propriedade do principal gestor do Estado de Mato Grosso, comemorava aumentos de 28% no faturamento - US$ 532 milhões em 2003, contra US$ 415 milhões em 2002 - e de 21% na área plantada - 170 mil hectares em 2003 contra 140 mil em 2002 (FLEXOR et al., 2006 e GRUPO MAGGI, 2004).


Fato 2:

Em meados dos anos 90 as lideranças do Parque Indígena do Xingu, no nordeste do Mato Grosso, manifestaram sua preocupação com o assoreamento dos rios que cortam o parque e com a situação de ocupação e desmatamento no entorno daquele território.

Organizações não-governamentais como o Instituto Socioambiental (ISA), que atuam na região desde 1994, incorporaram a questão apresentada pelos indígenas e desenvolveram a idéia de apoiar uma campanha na região das cabeceiras do rio Xingu inicialmente mobilizado para a recuperação e conservação das matas ciliares que protegem suas nascentes.

Levantamentos do desmatamento na região do Xingu evidenciaram que a degradação das nascentes e matas ciliares ameaça de modo direto a qualidade de vida de 15 mil indígenas que habitam a região das cabeceiras do Xingu, e de cerca de 250 mil não-indígenas de 25 municípios da bacia do rio, no nordeste do Mato Grosso, sem considerar seu impacto sobre a carga hídrica da Bacia Amazônica. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2010).

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que em 2000, o desmatamento de áreas de floresta na Bacia do Rio Xingu, localizadas fora de áreas protegidas, somou 2,9 milhões de hectares, o equivalente a pouco mais que um Parque do Xingu.

Segundo o ISA, citando o INPE, embora a partir do ano de 2000 os números estejam baixando, ainda são muito preocupantes. Em 2001, por exemplo, o INPE registrou um volume de 238 mil hectares e no ano de 2002, o desmatamento em áreas de floresta alcançou 131 mil hectares (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2002).

Vale dizer que esta campanha é um dos seguidos esforços de expressão coletiva e dimensões interinstitucionais, mobilizada pelos Xinguanos nos últimos 15 anos para reverter os processos de ocupação desordenada na região.


Argumento/hipótese:

Durante a última década, sob influência do vértice econômico sobre a natureza, a utilização de instrumentos econômicos e financeiros assumiu importância crescente na gestão do meio ambiente em geral e da água em particular.

As políticas ambientais – como se põe em evidência a Política Nacional de Recursos Hídricos que por sua vez instrumentaliza a gestão dos aqüíferos com a criação da figura da outorga do direito de uso e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos (Art. 19 da Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997) - têm vindo a adotar gradualmente estes princípios econômicos, de modo que o marco legal e os modelos de gestão preconizam a aplicação de políticas de preços da água a propósito de incentivar a utilização sustentável dos recursos hídricos.


Assim, pelo caso exemplificado – o do uso dos recursos hídricos - parece se evidenciar uma tendência de universalização de um regime de precificação de bens naturais vitais nas políticas públicas.

   Embora se verifique essa tendência de tratamento como bem econômico, como no caso da água, boa parte dos bens da natureza é vital para os ciclos de vida e para a sobrevivência e o bem estar do Homem (Declaração dos Direitos Humanos, 1948 e Conferência das Nações Unidas sobre a Água, de 1977).  Partindo deste princípio, o acesso a uma determinada quantidade vital de recursos da natureza, a exemplo da água, é um direito fundamental de todos os indivíduos que deve ser respeitado pelo Estado (PETRELLA, 1998).

Assim, supõe-se que a definição dos modelos de políticas públicas sobre recursos naturais depende cada vez mais da capacidade do Estado em garantir esse direito das pessoas, cujas escolhas dependem também da compreensão acertada sobre a natureza como bem público e que só se torna privado pela apropriação humana.

Por sua vez, a manutenção e recuperação de tais bens naturais, com qualidade e volume suficiente para atender aos diversos usos da sociedade, constituem um dos principais serviços ambientais prestados por territórios de interesse ecológico, e em boa parte dos casos, por unidades de conservação habitadas por populações que têm padrões culturais diferenciados.

Ocorre que os estudos econométricos para a interpretação da oferta dos recursos naturais comumente não têm contabilizado bens então denominados intangíveis. No entanto, tais bens são determinantes para os ciclos de manutenção dos mesmos. Assim, por exemplo, os serviços ambientais desenvolvidos por populações tradicionais ou não, que interagem positivamente com os ciclos naturais em determinados territórios, não são contabilizados nas operações da apropriação dos custos da produção, reprodução e conservação, como é possível se verificar no caso dos preços da água cobrados dos usuários.

Este estudo, portanto, buscará - ao enfocar os processos de relações e gestão de recursos naturais – com foco na observação dessas relações no PIX e no Complexo Xinguano - elementos que contribuam com o aprofundamento da pesquisa cientifica em direção à solução do problema do desequilíbrio de valores socioambientais para uma nova contabilidade ambiental que seja capaz de repercutir nos instrumentos de políticas públicas de planejamento e regulação de investimentos, legislação, aplicações jurisdicionais e tomadas de decisões a respeito de riscos e viabilidade de projetos.

Certamente poderá ampliar o conhecimento e possibilidades aplicativas para instrumentos de comando e controle, de institutos jurídicos e políticas compensatórias para populações que adotam padrões de atitudes de conservação e uso sustentável dos recursos naturais. 

Indicadores sociais e ambientais em projetos de corporações financeiras

Desde a primeira revolução industrial o mundo tem passado por transformações e fatos novos têm influenciado a que o Estado, a sociedade e as empresas mudem de comportamento em relação à natureza.

No nível internacional surgiram as convenções e protocolos. E sob influência de tais acordos internacionais, também estão as ações locais, onde cada país cria leis com o intuito de ordenar mudanças de hábitos por parte de suas corporações produtivas  e da sua população.

É nesse ambiente de influência e indução que empresas vêm incorporando ações socioambientais, devido, primeiramente, às políticas governamentais, e posteriormente de mercado, onde investidores e clientes passaram a cobrar posturas sustentáveis daqueles em quem investem e compram bens ou serviços os quais têm suas fontes em recursos naturais. Entre estas organizações estão as instituições financeiras.

Segundo a organização não-governamental BankTrack (www.banktrack.org.com), atualmente as instituições financeiras não podem esquecer que exercem um importante papel na sociedade, e que podem ser agentes de transformação ao adotar a sustentabilidade em suas estratégias de negócios.

Do ponto de vista moral e jurídico os bancos são co-responsáveis pelas atividades econômicas que financiam e conseqüentemente podem ser responsabilizados por emprestar dinheiro a um cliente poluidor, inclusive. Recentes episódios divulgados pela imprensa internacional têm trazido a exposição solidária de bancos em crimes ambientais. Para evitar isso, as instituições financeiras passaram a adotar a variável ambiental como uma vantagem competitiva na avaliação da concessão de crédito. 

De todo modo a inserção da variável ambiental e o reconhecimento da co-responsabilidade no setor financeiro surgiram gradualmente com ações pontuais e posteriormente, globais, geralmente associado à mobilização da sociedade civil.

Uma das primeiras iniciativas surgiu em 1980, a partir da criação de uma lei, em forma de imposto, pelo Congresso Americano, chamada de "Superfund". Sua atuação já responsabilizou legalmente instituições financeiras pela reparação de danos ambientais causados por seus clientes (TOSINI, 2006).

Após decisões judiciais responsabilizarem bancos pela reparação de danos ambientais causados pelos destinatários de seus créditos, entidades do setor financeiro dos Estados Unidos e países da Europa incorporam como medidas de prevenção, na concessão de crédito, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).

Esta preocupação também perpassa órgãos de grande visibilidade internacional como o Banco Mundial e as Nações Unidas, que criaram iniciativas próprias como a International Finance Corporation (IFC) e o The United Nations Environment Programme Finance Initiative (UNEP-FI), além das parcerias com o setor privado que resultaram no Pacto Global e nos Princípios do Equador.


Mais recentemente as instituições das Nações Unidas criaram instrumentos de condicionantes ambientais para os seus contratos de bens e serviços, ampliando os seus manuais de convergências. No caso do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD o Environmental procurement (volumes 1 e 2)  é um bom exemplo. (veja em http://www.undp.org/procurement/documents/UNDP-SP-Practice-Guide-v2.pdf).

Vale dizer que existem várias iniciativas independentes de definição de princípios para a atuação dos agentes financeiros, como é o caso do Carbon Disclosure Project, a Declaração de Collevecchio.

Nos limites deste estudo apresentaremos duas iniciativas que tem significativa influência sobre as operações dos agentes financeiros. Um em escala mundial, como é o caso do denominado Princípios do Equador, este sob forte influência de princípios ou agentes privados de crédito. O outro é o Protocolo Verde, uma iniciativa do Brasil, sob a corporação de uma rede de bancos públicos, sob iniciativa governamental.




Os Princípios do Equador

Segundo o Observatório Social os Princípios do Equador tiveram a sua gênese em outubro de 2002, quando o International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, e um banco holandês (ABN Amro) promoveram, em Londres, um encontro de altos executivos para discutir experiências com investimentos em projetos, envolvendo questões sociais e ambientais em mercados emergentes, nos quais nem sempre existe legislação rígida de proteção do ambiente.

Em 2003, dez dos maiores bancos no financiamento internacional de projetos (ABN Amro, Barclays, Citigroup, Crédit Lyonnais, Crédit Suisse, HypoVereinsbank (HVB), Rabobank, Royal Bank of Scotland, WestLB e Westpac), responsáveis por mais de 30% do total de investimentos em todo o mundo, lançaram as regras dos Princípios do Equador na sua política de concessão de crédito.

Pelas recomendações contidas nos Princípios do Equador, os projetos estarão sujeitos a uma revisão e serão categorizados com base na magnitude do impacto ou risco que representam, de acordo com os critérios socioambientais estipulados pelo IFC.

Pelos princípios, em tese as empresas interessadas em obter recursos no mercado financeiro internacional deverão incorporar, em suas estruturas de avaliação de Project
Finance, salvaguardas do tipo:

  • Gestão de risco ambiental, proteção à biodiversidade e adoção de mecanismos de prevenção e controle de poluição;
  • Proteção à saúde, à diversidade cultural e étnica e adoção de Sistemas de Segurança e Saúde Ocupacional;
  • Avaliação de impactos socioeconômicos, incluindo as comunidades e povos indígenas e autóctones, proteção a habitats naturais com exigência de alguma forma de compensação para populações afetadas por um projeto;
  • Eficiência na produção, distribuição e consumo de recursos hídricos e energia e uso de energias renováveis;
  • Respeito aos direitos humanos e combate à mão-de-obra infantil.
A aplicação destes princípios sugere o estabelecimento de um rating socioambiental, sugerido pelas instituições financeiras, sendo os projetos categorizados em A (alto risco), B (médio risco) ou C (baixo risco).

Por princípio se concede empréstimo a projeto que possua Plano de Gestão Ambiental, devendo estar focado na mitigação, planos de ação, monitoramento e gerenciamento de riscos e planejamento, levando-se em conta as classificações A, B e C.

"A" significa a possibilidade do projeto ou investimento apresentar significativos impactos ambientais adversos que forem sensíveis, diferentes ou sem precedentes. Como sensível, entenda-se aquele que apresenta possibilidade de ser irreversível, como, por exemplo, levar à perda de um importante habitat natural ou afetar grupos ou minorias étnicas vulneráveis, envolver deslocamento ou recolonização involuntária, ou afetar locais de herança cultural significativa.

"B" significa projeto ou empreendimento com potencial de causar impactos ambientais adversos em populações humanas ou áreas ambientalmente importantes, porém menos adversos que aqueles dos projetos classificados sob a categoria "A".

"C" significa projetos ou empreendimentos com possibilidade de apresentar mínimo ou nenhum impacto ambiental adverso.

Esta categorização é um conjunto de regras chamadas salvaguardas, criado pelo International Finance Corporation (IFC) entre 1990 e 1998, e sua aplicação é de responsabilidade dos bancos que devem investir na qualificação dos analistas de crédito para atender a essas exigências. Vale dizer que importante agentes financeiros internacionais como o World Bank (BIRD)e o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) adotam esse parâmetro de classificação nas suas políticas e diretivas operacionais.

Na prática deve haver um procedimento de Avaliação socioambiental, pela qual os projetos da categoria A e B devem conduzir uma avaliação multidisciplinar socioambiental apropriada e satisfatória para as instituições financeiras signatárias, apresentando aspectos possíveis impactos e riscos socioambientais do proposto projeto; medidas mitigadoras e de gerenciamento.

Os projetos devem atender a padrões socioambientais aplicáveis, usualmente adequados ao marco legal interno. Nesse caso os projetos devem apresentar a Avaliação de Impactos Socioambientais baseada nos documentos Performance Standards do IFC e Industry Specific EHS Guidelines do Banco Mundial e de acordo com a legislação, regulamentação e licenças locais.

Também devem apresentar um Plano de ação e Sistema de Gerenciamento, considerado imprescindíveis para os projetos das categorias A e B. Tais documentos deverão apresentar um plano de ação que deverá descrever e priorizar ações necessárias para a implementação de medidas mitigadoras, corretivas e de monitoramento a fim de gerenciar os impactos e riscos socioambientais identificados na avaliação.

Outra exigência são as Consultas e Esclarecimentos. Nesse quesito o tomador deverá consultar, através de audiências públicas, as comunidades afetadas pelo projeto de maneira estruturada e culturalmente adequada. Tal consulta deverá ocorrer de forma livre, consentida e informada, ou seja, atendendo a padrões de conversão a linguagem adaptada, sem artifícios de influências coercitivas e isenta de manipulação de dados e informações estratégicas.

Também devem implantar Mecanismo de Reclamações. Neste quesito os projetos que estão na categoria A e, em alguns casos, na B deverão criar um mecanismo de reclamações em seu sistema de gerenciamento para assegurar a continuidade das consultas públicas e do esclarecimento de informações para as comunidades afetadas.

Deverão adotar processos de Revisão Independente. Neste quesito os projetos de categoria A e, em alguns caso a categoria B, deverão passar por procedimentos especializados e independentes de análise socioambiental.


1.    O Protocolo Verde

No Brasil o denominado "Protocolo Verde" é uma iniciativa do governo brasileiro de definir parâmetros para as operações financeiras destinadas a financiar projetos e atividades produtivas que impliquem em algum impacto social e ambiental.

O Protocolo Verde em linhas gerais segue os parâmetros dos "Princípios do Equador".
Parte do pressuposto que o uso do crédito como ferramenta para viabilizar a sustentabilidade dos recursos é uma dessas adequações necessárias e mínimas para se conviver com os riscos ambientais.

O Protocolo Verde tem origem nos trabalhos de Grupo de Trabalho instituído pelo governo brasileiro através de decreto em 29 de maio de 1995 (ALIMONDA; LEÃO, 2005).

Originalmente foi formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), Ministério da Fazenda, Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, Ministério do Planejamento e Orçamento, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Banco Central do Brasil (BACEN), Banco do Brasil S.A (BB), Banco da Amazônia S.A (BASA), Banco do Nordeste do Brasil S.A(BNB), Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Como se vê pela sua formação o Protocolo Verde teve exclusiva formação por instituições públicas de crédito com o claro intento de, através de iniciativas públicas, influenciarem o mercado de crédito no país.
Pelas orientações do documento, as instituições financeiras federais se caracterizam como aliadas nas ações de prevenção e controle da degradação ambiental, especialmente aquela causada ou potencial causadora por empreendimentos financiados com recursos oficiais.

Segundo MACHADO, (1996), as instituições financeiras são co-responsáveis por financiamentos que possam resultar em danos ambientais, na medida em que a Constituição Brasileira, art. 192, caput aponta que o sistema financeiro nacional deveria "[...] servir aos interesses da coletividade [...]", e, por sua vez, o crédito como uma necessidade de realização da produção e do consumo deve ficar subordinado à moralidade e à legalidade de quem os financia.

Nem sempre as instituições financeiras estão habilitadas e estruturadas para cumprir este quesito. Embora isso, as principais instituições nacionais de crédito, como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Nacional (BNDS) hoje dispõem de normas internas para salvaguardas sociais e ambientais.

Hoje os bancos, inclusive privados, aqueles que são operadores de fundos públicos, estão ampliando seus esforços para aplicação de condicionantes ambientais na disponibilização de linhas de créditos para o financiamento de atividades empresarias que impliquem em infra-estrutura produtiva ou de bens de capital.
Eis as principais linhas de orientações do Protocolo Verde às instituições financeiras federais:

As instituições operadoras de crédito devem empreender esforços para:
  • Explicitar seu compromisso com a variável ambiental, por intermédio de uma Carta de Princípios, que, por sua vez deve atuar como guia interno para suas operações, como também, estímulo aos clientes sobre a relevância do meio ambiente na elaboração e gestão de projetos.
A esse respeito deve ser dito que essa recomendação tem sido tomada por vários bancos públicos e privados em todo o mundo, ao aderirem à Declaração Internacional dos Bancos para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, patrocinada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

  • Constituir unidades ou grupos de técnicos que se dediquem especialmente para identificar a relação entre meio ambiente e as atividades econômicas, atuando internamente para a promoção e coordenação de atividades estratégicas quanto ao tema e participando de atividades externas com outras instituições.
  • Promover a difusão de conhecimentos sobre o meio ambiente para os empregados, por intermédio de treinamento, intercâmbio de experiências, elaboração e análise de projetos ambientais.
  • Adotar sistemas internos de classificação de projetos, que levem em conta o impacto sobre o meio ambiente e suas implicações em termos de risco de crédito.
  • Identificar mecanismos de diferenciação nas operações de financiamento, em termos de prazos e taxas de juros, com base na mensuração dos custos decorrentes de passivos e riscos ambientais.
  • Promover a criação de linhas de financiamento para as atividades de reciclagem, recuperação de resíduos e recuperação das áreas de disposição.