Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

Belo Monte - Desmatamento versus PIB-Municípios

Villi Seilert em: "O DESFLORESTAMENTO E SUAS CORRELAÇÕES
NO ALTO-XINGU: a essencialidade dos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio ecológico do Planeta Terra." Dissertação de mestrado, UCB, dezembro de 2011.


De acordo com diagnóstico socioeconômico e cultural para a “Área de Abrangência Regional (AAR)” - parte do EIA-RIMA da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Leme Engenharia Ambiental, 2009, p. 184) - a taxa de 26% de desmatamento verificado na ARR de Belo Monte foi maior que a do Mato Grosso, de 22%.
Segundo aquele estudo, nos municípios do Médio Xingu, onde se localizam São José do Xingu, Santa Cruz do Xingu e São Felix do Araguaia, por exemplo, as taxas de desmatamento são superiores a 50% das respectivas áreas municipais. Da mesma forma, o desmatamento relativo se mostra elevado nos municípios do Alto Xingu, com agricultura consolidada, considerada região de colonização, com destaque para Sinop e Vera, com 63% e 65%, respectivamente.
Levando à comparação uma sequência de dados relativos ao desmatamento do INPE-PRODES com os dados do PIB per capita dos municípios em 2006, o estudo indica a hipótese de que onde o PIB per capita é maior, nos municípios do Mato Grosso são identificados as maiores perdas florestais.  Por sua vez, observou-se que as mais baixas percentagens de desmatamento acumulado até 2006 coincidem com municípios com predominância das atividades extrativas, sempre inferiores a 5%. Nestes municípios o PIB per capita é quase sempre inferior a R$ 2.000
Em síntese os dados revelados pelo citado diagnóstico ressaltam as discrepâncias de percentuais de desmatamento entre os municípios da AAR, [...] apontando para o fato de que, de um modo geral, há uma correlação negativa que associa o desmatamento e melhores indicadores de renda per capita na AAR do AHE Belo Monte, correlação esta vinculada a um determinado modelo de desenvolvimento agropecuário que é associado à derrudaba em áreas florestadas. (EIA-RIMA, Meio Socioeconômico e Cultural, Leme Engenharia Ltda, 2009, p 184-186).

Villi Seilert em: "O DESFLORESTAMENTO E SUAS CORRELAÇÕES
NO ALTO-XINGU: a essencialidade dos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio ecológico do Planeta Terra." Dissertação de mestrado, UCB, dezembro de 2011.

Numa tentativa de ocupar espaço ante o fracasso das políticas macroeconômicas por respostas mais positivas ao desenvolvimento, a questão da sustentabilidade passou a se tornar referência na abordagem do tema do valor da natureza. Assim também a visão sistêmica, que envolve as mais diversas áreas do conhecimento, vem se tornando um referencial metodológico para o desenvolvimento da ciência (SACHS, 1994).
Dentro dessa tendência é de se observar, conforme pontua Amazonas (2001, p. 107), que no debate do desenvolvimento sustentável a questão ambiental se tornou variável determinante e o tema tem sido analisado quase sempre sob o prisma das teorias econômicas.
Segundo Amazonas (2002, p.108) as questões postas pelo desenvolvimento sustentável buscam determinar o que virá a ser “uso sustentável” dos recursos naturais e quais as condições necessárias para realizá-lo.
E dessas indagações geralmente desembocam duas outras questões que, por sua vez, projetam soluções divergentes: a primeira procura responder sobre qual o melhor “uso sustentável” dos recursos naturais de modo que a sua disponibilidade se mantenha em bom fluxo e de modo perpétuo. A outra, responde sobre qual o melhor uso dos recursos naturais de modo a permitir a perpetuação da humanidade e a qualidade de vida em escala global e intergeracional. A primeira pergunta tem sido a estrutura da gramática do pensamento econômico neoclássico e a segunda tem ocupado espaços periféricos no pensamento científico.
Sem dúvida, na história das ciências econômicas os “recursos naturais” sempre estiveram na ordem dos elementos do sistema produtivo humano, porém nem sempre assim interpretado. Ou seja, a posição ocupada pela natureza dentro da discussão econômica se deu basicamente em função da compreensão sobre como os recursos naturais são alocados no processo produtivo. A este respeito confirma Romeiro (2003, p.1), “a natureza sempre foi um problema, em última instância, de alocação intertemporal de recursos entre consumo e investimento.”
Mueller (2007) lembra que a questão da natureza tomou conotações diferentes no curso histórico do desenvolvimento do pensamento econômico. Na primeira fase com os economistas fisiocráticos (Século XVIII – como Quesnay, Nemours, Turgot e outros) a questão dos recursos naturais teve importância central no estudo do valor e no entendimento sobre como devia funcionar a economia e a sociedade.
Na escola fisiocrática, ainda segundo Mueller, a questão dos bens naturais teve forte influência no pensamento econômico, não só por que a natureza era entendida como a verdadeira fonte de riqueza - na medida em que a agricultura era a atividade capaz de produzir excedente - mas também por causa da visão de que a natureza – como precedente a todas as instituições humanas - era o modelo no qual toda a humanidade e todas as classes sociais estariam vinculadas e dependentes.
Os fisiocráticos introduziram a idéia de ordem natural ao pensamento econômico. Entendiam que o funcionamento da economia correspondia a uma ordem natural. E de acordo com essa idéia, as leis da natureza governam as sociedades humanas da mesma maneira que as descobertas das leis da física governam o mundo físico.
Todas as atividades humanas, portanto, deveriam ser mantidas em harmonia com tais leis naturais. Neste sentido Machado (2007) sugere que em última análise o objeto de todo estudo científico era descobrir as leis sob as quais todos os fenômenos do universo estavam sujeitos. Assim, na esfera econômica, as leis da natureza conferiam aos indivíduos o direito natural de usufruir os frutos de seu próprio trabalho, desde que isso fosse consistente com os direitos de todos.
No século seguinte, com o processo de industrialização, os recursos naturais passam a ocupar um papel secundário na ordem dos fatores da produção industrial e na teoria econômica. Nascia a escola clássica.
Segundo Mueller (2007, p. 121) foram os economistas clássicos que a partir do final do Século XVIII fizeram do estudo da economia uma disciplina. Uma das preocupações dos clássicos consistia em verificar se o incipiente capitalismo industrial tinha como se firmar e continuar a se expandir. E uma das suas contribuições foi tentar explicar as razões do crescimento econômico, como desenvolveu Adam Smith na sua obra “A Riqueza das Nações”.
E os clássicos fizeram isto focando o sistema econômico no meio ambiente, embora esse último fosse tratado no sentido de fonte benevolente e inesgotável. Os clássicos reconheciam, como se refere Mueller (p.122), “as dádivas gratuitas da natureza”, mas não manifestavam quaisquer preocupações com a questão dos impactos dos outputs dos rejeitos do sistema econômico no meio ambiente.
Citando Deane, Mueller (p. 120) sugere que, embora com uma compreensão de um meio ambiente benevolente e passivo, não significa que os clássicos não vislumbravam a possibilidade do meio ambiente impor limites ao crescimento econômico. Para Smith (1999 [1776]), pp. 77-91) o crescimento econômico resultaria da acumulação de capital mediante o uso de força de trabalho crescente e cada vez mais produtiva e especializada.
Assim, a acumulação de capital possibilitaria a ampliação do emprego e de mercados. E em isto ocorrendo o lucro se expandiria e, com ele, mais acumulação de capital; por fim resultando num processo cumulativo de expansão econômica. No entanto, esse processo encontraria um limite: o crescimento da população, na medida em que “o tamanho máximo da população de um país era determinado pela capacidade de sua agricultura de alimentá-lo”. (MUELLER, p.122).
Aí estava, na vertente dos clássicos, a percepção do limite do crescimento econômico dado pelo meio ambiente: as terras agricultáveis estabelecendo barreiras para o aumento da produção de alimentos e, portanto, ao aumento da população e este resultando no cessar do crescimento econômico. Era o que outros clássicos denominaram “estado estacionário”, idéia cogitada pelos sucessores de Smith, como Ricardo, Malthus e Mill.
Para Ricardo (1996 [1923], pp. 49-60), dentro de um esquema simples de livre concorrência, a distribuição entre retorno do capital e pagamentos aos proprietários de terras ocorria segundo o processo de distribuição e ocupação das terras. Na ocupação das terras, chegar-se-ia inclusive às menos férteis, quando ocorreria a situação na qual o produto líquido extraído das terras não férteis seria suficiente tão somente para a subsistência dos trabalhadores (custos). Nas terras férteis seriam geradas rendas diferenciadas e crescentes, sendo apropriadas pelos proprietários de terras, decorrentes da dedução do produto líquido gerado.  Em síntese, neste esquema a taxa de lucro estaria reduzida a um mínimo e o sistema (produtivo e econômico) entraria em processo de estacionamento, com o suficiente para repor apenas o desgaste do capital no processo produtivo. Neste sentido diz o próprio autor
Em todas as nações adiantadas, aquilo que se paga anualmente ao proprietário da terra e que participa de ambas as características — da renda da terra e do lucro — se mantém, algumas vezes, estacionário, graças aos efeitos de causas contrárias; em outras épocas avança ou retrocede, na medida em que uma dessas causas prevalece. Quando, portanto, mais adiante, eu me referir à renda da terra, deve entender-se que falo da compensação paga ao seu proprietário pelo uso das forças originais e indestrutíveis da terra. (RICARDO, 1996, [1923], p. 50)

Para Smith o dito estado estacionário ocorreria antes que a sociedade tivesse atingido um melhor nível de vida, depois de se eliminar a miséria da grande maioria da população. Já para Stuart Mill o estado estacionário ocorreria com as melhorias nas condições de vida do conjunto da sociedade. O progresso tecnológico atuaria para deslocar o estado estacionário para um futuro remoto. E ao ocorrer todos já teriam alcançado um elevado padrão de vida. Neste estágio a acumulação de capital cessaria e a atenção da sociedade se voltaria para a cultura, o lazer e a evolução espiritual e solidária. Neste sentido diz o autor
Estou propenso a crer que essa condição estacionária representaria no conjunto, uma enorme melhoria de nossa condição atual. Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido por aqueles que pensam que o estado normal dos seres humanos é o de sempre lutar para progredir do ponto de vista econômico; que pensam que atropelar e pisar os outros, dar cotoveladas e andar sempre no encalço do outro são o destino mais desejável da espécie humana, quando na realidade são os sintomas desagradáveis de uma das fases do progresso industrial (MILL, 1983, p. 252).

Em resumo vale frisar que os recursos naturais, juntamente com o capital e a força de trabalho (a mão-de-obra), eram elementos explícitos da teoria econômica clássica, cuja relação determinava o limite do crescimento e este, em última análise, determinado pelo próprio limite dos recursos naturais. Eis a síntese do ciclo do estado estacionário do crescimento.
Já a escola neoclássica, emergida nos meados do século XIX, adotou semelhante epistemologia. No entanto, ignorou a função dos recursos naturais. Numa época em que a Europa consolidou um sistema de produção industrial baseado na expansão mercantil sobre as colônias inglesas da América do Norte, Sul e Oceania - considerando também que o fator tecnológico garantiu maior oferta de alimentos - os neoclássicos centraram suas teorias econômicas na observação desses países cuja indústria já tinha alcançado uma posição consolidada.
Nicholas Georgescu-Roegen (1971) ao desenvolver sua teoria da lei da entropia sustenta que o processo produtivo – além dos fatores ricardianos - terra, mão-de-obra e capital – prescinde de insumos fornecidos pela natureza para o seu resultado em produtos. E, como resultado adicional, gera outputs que retornam à natureza através de resíduos e rejeitos. Este sistema é desenvolvido pelo autor através de um fluxograma de circulação da matéria e da energia no processo produtivo.
Embora tenha já havido outros autores, a exemplo de Kapp (1950), que bom tempo antes do início das discussões sobre o desenvolvimento sustentável, se antecipavam na análise do problema dos custos sociais e ambientais do processo produtivo na empresa, foi só no final da década de 70 - e no Brasil na de 80 - com o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentável, que a questão dos limites impostos pelo meio ambiente voltou à pauta dos estudos do desenvolvimento.
Assim, Romeiro (1999) aponta que o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu, no início da década de 70, com o nome de “ecodesenvolvimento”. De fato Sachs (2004) sugere que o termo surgiu como uma resposta à polarização do debate com a publicação do relatório do Clube de Roma – “Os Limites do Crescimento”. Romeiro et al. (2009, p. 47) sugerem que o relatório de Donella Meadows
opunha partidários de duas visões distintas sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente: de um lado o que o autor denomina de possibilidades culturais ou tecno-cêntricos radicais para os quais os limites ambientais ao crescimento econômico são mais que relativos diante da capacidade inventiva da humanidade [...] considerando o crescimento econômico como uma força positiva capaz de eliminar por si só as disparidades sociais com um custo ecológico tão inevitável quão irrelevante diante dos benefícios obtidos; e de outro [...] os deterministas geográficos ou ecocêntricos radicais, para os quais o meio ambiente apresenta limites absolutos ao crescimento econômico [...].
Ou seja, segundo Romeiro o conceito de ecodesenvolvimento surge como uma posição conciliadora, pelo qual se reconhece que o progresso tecnológico relativiza os limites colocados pelo meio ambiente.
Por outro lado, desenvolvimento sustentável, na conotação dada por Sachs (2004), se associa ao que ele chama de ética intergeracional, ou seja, padrões de atitudes humanas pelos quais a questão do desenvolvimento não se restringe aos fatores do crescimento da renda, mas avança para garantir padrões de qualidade de vida da presente e futuras gerações, sem comprometimento do meio ambiente.
Romeiro et al. (p. 49) prefere dizer que desenvolvimento sustentável é o rebatismo do velho crescimento econômico.
Essa bifurcação conceitual está refletida em duas correntes modernas de interpretação das relações econômicas com o meio ambiente: a economia ambiental e a economia ecológica.
Para a economia ambiental mais tradicional (COASE, 1960; MOTTA, 2006) as soluções adequadas são aquelas que possibilitem o livre funcionamento dos mecanismos de mercado. Tais soluções não necessitam desconsiderar o caráter coletivo dos bens e serviços da natureza, bem como os fatores histórico-culturais e os direitos dos seus usuários e produtores. Esta solução dar-se-á bastando apenas considerar os “direitos de propriedade” – proposta por Coase (segundo enfoque dado em “The Problem of Social Cost”(1960)), diga-se de passagem, bem diferente em “The Social Costs of Private Enterprise, de Kapp, (1950) – e a valoração e imposição econômica pelo Estado – com a a introdução das taxas pigouviana, tão marcante nas políticas de comando e controle.
Motta (2006) propõe ainda que é o fator da escassez dos bens naturais que justifica a estimação de valor econômico. Considerando que "[...] grande parte dos ativos ambientais está sujeita à degradação, à exploração de uso pelo homem, implicando vultosos investimentos, análises da capacidade de suporte e custos de preservação, torna-se necessário buscar métodos que possibilitem avaliá-los em termos econômicos”.
Por sua vez Mota (2000) sugere que a valoração dos recursos naturais “resume-se num conjunto de métodos para se mensurar os benefícios proporcionados pelos ativos naturais e ambientais, os quais se referem aos fluxos de bens e serviços oferecidos pela natureza às atividades econômicas e humanas”. Assim, segundo o eminente professor, os métodos de valoração ambiental – como os métodos “custo de viagem” e “o valor contingente” – permitem mensurar os benefícios com base na “disposição de pagar” dos usuários dos serviços de serviços naturais, “cujo valor é frequentemente estimado em função de variáveis socioeconômicas.”
Assim, para a economia ambiental, segundo os citados  autores, o problema da escassez de recursos naturais – ou serviços ambientais – se traduz em elevação dos preços, como qualquer situação de escassez de oferta frente à demanda. Um elemento típico do pensamento econômico neoclássico que influenciou a idéia de soluções de controle ambiental.
Disposição de pagar, medida por instrumentos de enquetes, então é introduzida como conceito metodológico para resolver o problema das falhas de mercado na valoração direta de bens públicos não transacionáveis em mercados (como os bens e serviços ambientais). Um conceito que parte do princípio que toda externalidade, toda contribuição de um recurso natural e de um serviço ambiental pode receber uma valoração monetária pelo mercado – no caso de falha, então este valor é imputado pelo Estado.
Importante salientar, como confirma Mota (2000 p.1), o conceito de “disposição de pagar” insere o meio ambiente no sistema econômico ex post impacto, a forma mitigadora pela “internalização das externalidades”. Porém, alerta o autor, “o valor da disposição de pagar dos usuários em uma dimensão que não é somente socioeconômica, mas também comportamental e atitudinal em relação ao meio ambiente.”
Amazonas (2006) avalia que a valoração ambiental neoclássica é a expressão monetarizada de um bem ou serviço ambiental em termos de utilidade, bem estar ou das preferências individuais sobre aqueles. Mas como preço se define no mercado e os bens ambientais não se encontram nele, então essa precificação se dará "baseada nas preferências individuais reveladas pelo conceito de disposição a pagar".
Adiante Amazonas conclui: "os procedimentos e métodos de valoração ambiental que a teoria neoclássica desenvolveu, são todos baseados no princípio de resgatar as preferências individuais e os valores a estas associadas..." (NOBRE et al., 2002).
Vale dizer, como as mercadorias comuns são negociadas no mercado regulado pela relação entre oferta e demanda e que, por sua vez, os bens e serviços ambientais não dispõem desse mercado regulador de preços, então os métodos de valoração passariam a cumprir a função de correção desta "falha de mercado" através de um "mercado hipotético".
Porém, como ainda argumenta Amazonas (2006), existem valores ambientais externos ao conjunto dos valores econômicos expressos monetariamente pelo mercado, ou seja, que alguns bens "pertencem ao conjunto valorativo humano ético normativo, que transcende a valorização econômica estrita", ou "valores sociais de dada sociedade" que são expressos em "valores econômicos" e em "valores não-econômicos".
Porém, Mota (2000, p. 197) alerta que os métodos de valoração, enquanto subsídio à gestão ambiental, sendo ferramentas versáteis para a avaliação do valor da natureza, só ganham efetividade nas políticas públicas ambientais, “especialmente as que buscam proteger o meio ambiente dos agentes e das ações dos degradadores (...) a partir da inserção da ética no processo de escolha.”
Por sua vez Alier (2007, p.45) acentua que a economia ecológica é um recente campo transdisciplinar de estudos que vê a economia como um “subsistema de um ecossistema físico global e finito”. Segundo o autor, os “economistas ecológicos questionam a sustentabilidade da economia devido aos impactos ambientais e as suas demandas energéticas e materiais, e igualmente ao crescimento demográfico”.
Segundo o autor, os economistas ecológicos trabalham com ferramentas de atribuir valores monetários aos serviços e às perdas ambientais, como tentativas de corrigir a contabilidade macroeconômica. Contudo, a sua contribuição principal é “o desenvolvimento de indicadores e referências físicas de (in)sustentabilidade, examinando a economia nos termos de um metabolismo social” (ALIER, 2007, p 45).
Na mesma linha de argumento, sugere o autor que os economistas ecológicos também utilizam métodos de avaliação da relação entre os direitos de propriedade e de gestão dos recursos naturais, modelando as interações entre economia e meio ambiente, através de ferramentas de gestão como Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Multicriterial para tomadas de decisão, propondo assim novos instrumentos de política ambiental.
Costanza (1991) refere-se à economia ecológica como “a ciência e gestão da sustentabilidade”. Costanza reputa o nascimento da economia ecológica a um grupo de economistas que, enfim, ainda que não vindos de uma escola propriamente dita, são identificados como economistas ecológicos. Entre eles destaca Kenneth Boulding (1910), Karl William Kapp (1910) e Von Ciriacy-Wantrup (1906) - estes dois últimos chamados, ora institucionalistas (ALIER, 2007, p.46), ora independentes (SACHS, 2004) - Georgescu-Roegen, com a sua obra “A lei da entropia e do processo econômico” (1971) e T. H. Odum (1924) nas suas análises do uso da energia na economia. Herman Daly, ex-aluno de Georgescu, também é indicado como membro deste eminente círculo de pensadores fundadores da economia ecológica.
Deduz-se dos argumentos de Alier que na economia ecológica, raiz de tal pensamento econômico em formação recente, discute-se que a economia está inserida no ecossistema e que esta inserção é dada pela percepção histórica e social do ecossistema. Seu estudo também considera a estrutura de direitos de propriedade sobre os recursos e serviços ambientais, mas dentro de uma distribuição social do poder e da riqueza, por estruturas de gênero, classe social ou de casta (etnia), compondo assim vínculos com a economia política e com a ecologia política (ALIER, 2007, p 48).
Outra questão que está articulada com a base conceitual da economia ecológica, também segundo Alier (2007, p. 51), é a relação entre produção e distribuição dos bens ambientais, da mesma forma que a distribuição precede às decisões da produção em todas as relações de produção – inclusive nos regimes escravagista e assalariado.
Sob o viés ambiental (e não só econômico) não se poderia tomar qualquer decisão sobre a produção enquanto não houver bases para um acordo ou norma sobre como os recursos naturais seriam apropriados e como seus “resíduos” seriam destinados.
Assim, por exemplo, diz o autor, “a decisão de produzir energia elétrica [...] requer uma decisão prévia sobre a destinação dos dejetos [..]” incluindo a discussão sobre quem desfruta o direito de propriedade e usufruto desses territórios. Pois, se em termos econômicos tais “externalidades” podem permanecer fora da contabilidade dos resultados e dos balanços dos empreendimentos, as decisões certamente seriam diferentes caso tais passivos fossem incorporados na sua conta “desde o berço até o tumulo” ou vice-versa.
Ressalta Alier que na economia ecológica, as ferramentas de aproximação do estudo de valor da natureza estão mais para a Oikonomia (aprovisionamento material da casa familiar) do que para a Crematística (estudo da formação dos preços de mercado), no sentido de que “a economia ecológica não se compromete com um tipo de valor único. Ela abarca a valoração monetária, mas também avaliações físicas e sociais das contribuições da natureza e os impactos ambientais da economia humana mensurados nos seus próprios sistemas de contabilidade” (ALIER, 2007, p 53).
Enfim, pode se dizer que há um certo consenso entre os autores de alinhamento com a economia ecológica que um dos principais elementos desta disciplina emergente é o estudo de diferentes processos de tomadas de decisões, “num contexto de conflitos distributivos, valores incomensuráveis e incertezas em solução”.
Conforme Daly e Farley (2000) a economia ecológica coloca a escala como princípio basilar no tratamento de políticas públicas que garantam o “uso sustentável” dos recursos naturais. Romeiro (2009, p.57) sugere que esta escala é impactada por mecanismos atrelados às políticas ambientais, como os casos da “regulação direta” (no caso das normas de proibição governamental para uso de determinadas substâncias ou recursos pela iniciativa privada), as licenças de comercialização” e as taxas ambientais (de origem pigouviana).
Romeiro (2009, p.57) faz interessante síntese a respeito do desafio da economia ecológica no seu objeto de estudo e metodológico, conforme citado:
Parece claro, portanto, que para os economistas ecológicos, as escalas em quantidades de bens e serviços ambientais que serão usadas como parâmetros físicos aos quais deverão se ajustar às variáveis não físicas da tecnologia, das preferências e da distribuição de renda. A determinação de uma escala sustentável, por sua vez, da mesma forma que uma distribuição justa, envolve valores outros que a busca individual da maximização do bem-estar individual, como responsabilidade intra e intergeracional [...] Qualquer trade off entre esses três quesitos envolve julgamento ético sobre a qualidade das relações sociais, e não um cálculo frio sobre as disposições de pagar.

Por fim, vale ressaltar que padrões de comportamento e fatores culturais, elementos essenciais para o conceito de sustentabilidade não poderiam ser excluídos das decisões das instituições que lidam com os processos sociais.
A este respeito Opschoor (1994, pp. 4 e 5) sugere que as instituições que atuam sobre a tomada de decisões sob as forças de mercado excluem os valores da sustentabilidade. Para ele as instituições deveriam ultrapassar estes mecanismos, reconduzindo padrões de comportamento, convenções sociais e organizações que influenciam o comportamento humano. Neste sentido, instituições envolvem tanto organizações que determinam convenções sociais, como de administração e mercado, como normas e estruturas que governam valores e costumes que são aspectos centrais do comportamento humano.



Villi Seilert em: "O DESFLORESTAMENTO E SUAS CORRELAÇÕES
NO ALTO-XINGU: a essencialidade dos conhecimentos tradicionais para o equilíbrio ecológico do Planeta Terra." Dissertação de mestrado, UCB, dezembro de 2011.


Mesmo que se possa dizer que as atividades humanas tenham causado a degradação dos ecossistemas e a perda da biodiversidade, isso não se aplica a todos os lugares e situações. Bhagwat et al. (2005) apontam que na Índia pesquisas notificaram índices de biodiversidade em bosques sagrados e em áreas de plantações multi-específicas, nos mesmos níveis encontrados em áreas protegidas.
Os citados autores observam que florestas sagradas mantidas pelos costumes dos povos tradicionais e paisagens multifuncionais produzidas sob sistemas seculares de usos e cultivos tradicionais, podem ser tão importantes do ponto de vista do equilíbrio ecológico quanto àquelas áreas protegidas por estratégias formais de conservação, como das políticas de implantação de unidades de conservação. Isto quer dizer que existem habitats que emergem de atividades de grupos humanos em ciclos de manejo da terra. Neste caso específico podem se configurar as terras situadas no espaço geográfico conhecido como Parque Indígena do Xingu, objeto da presente investigação.
Esta questão de fundo tem outras conotações. Uma delas diz respeito à relevância dos conhecimentos tradicionais para a manutenção do equilíbrio ecológico em escala local e global, assunto que tem recebido atenção crescente no mundo da pesquisa acadêmica.
No plano internacional a pesquisa sobre o tema vem recebendo fôlego através de multifacetárias linhas de investigação acadêmica. Numa delas, com o enfoque do conhecimento aplicado à gestão de recursos naturais, Berkes et al. (2000) chegam a comparar os conhecimentos tradicionais com as práticas científicas contemporâneas de gestão baseada nos ecossistemas, na medida em que eles incluem princípios da gestão de sucessão, gestão de paisagem, rotação de recursos e gerenciamento de várias espécies da fauna e da flora.
Na mesma linha de raciocínio Lewis e Ferguson (1988), numa concentrada investigação comparativa entre várias culturas dos mais diferentes pontos do planeta, demonstram que muitos e diferentes grupos tradicionais, praticam o manejo do fogo como um recurso eficaz de gestão do solo. Segundo os autores existem notáveis similaridades nas estratégias funcionais utilizadas por esses grupos em áreas tão diversas como no caso de povos localizados no Noroeste do Pacífico dos Estados Unidos, na zona Centro-Oeste Boreal do Canadá, na Tasmânia, como noutras partes do mundo.
Em outro estudo semelhante Davidson-Hunt e Berkes (2003) anotam que a aplicação de conhecimentos autóctones varia desde a clássica agricultura itinerante da Amazônia, até o sistema Kumerachi das florestas temperadas do planalto mexicano, até os povos indígenas nas florestas boreais canadenses.
Sintetizando a confluência entre os conhecimentos tradicionais e a ciência, estudos de Kates e associados (2001) defendem que a investigação científica no ambiente das interações humanas está forjando a emergência do que chamam de uma nova ciência da sustentabilidade. Neste conceito os autores sugerem que o bem-estar da sociedade humana está estreitamente relacionado com o bem-estar dos ecossistemas naturais. Nesta confluência a ciência está necessitando cada vez mais de recursos intelectuais que levem em conta o conhecimento das populações locais. É o que Pandey (2002) reiteradamente chama de etnociência.
Por sua vez Tilman (2000) em importante estudo no campo da ecologia humana propugna a relevância de princípios éticos e políticos inovadores para ações dirigidas para a conservação da biodiversidade e a manutenção das funções dos ecossistemas, sugerindo que tal ética não decorre de forças espirituais ou divinas, mas sim de práticas sociais.
Em estudos semelhantes Cox (2000) e Pandey (2002) concluem que sistemas de conhecimento tradicional local estão desaparecendo a um ritmo que, em sendo assim mantido, não permitirá saber o valor que estes sistemas representariam em comparação com o que já representaram para a sustentabilidade do equilíbrio ecológico global em tempos passados.
No Brasil a pesquisa sobre a interface dos conhecimentos tradicionais com a sustentabilidade ecológica tem merecido atenção de estudos mais recentes, maiormente ancorados nas disciplinas da antropologia, direito ambiental e economia ambiental.
Cavalcanti (2002), em um estudo com enfoque econômico, observa que existem alternativas às formas inspiradas na teoria econômica mecanicista que tentam explicar como os seres humanos lidam com as escolhas que têm de fazer na alocação de recursos, na distribuição dos lucros para o cumprimento dos propósitos do progresso material do desenvolvimento. Essa alternativa está numa outra lógica que advém do entendimento de como as pessoas no plano local tendem a resolver seus problemas econômicos de forma sustentável.
É, pois, no ambiente da antropologia e disciplinas afins que o tema tem encontrado maior volume de pesquisa, uma vez que, via de regra, tais pesquisas perpassam pelos sistemas sociais e culturais de grupos étnicos, particularmente de grupos indígenas e outros que mantém estreitos laços de interdependência com a natureza, como são, por exemplo, as comunidades remanescentes de quilombos, grupos extrativistas e ribeirinhos.
Neste campo de pesquisa acadêmica autores como Melatti (2006), Diegues (2000, 2004), Diegues e Arruda (2001), Franchetto e Heckenberger (2001), Maldi (1998), Schwartzmann e Zimmermann (2005), Little (2002) e outros destacam diversas vertentes de observação de sistemas culturais de povos indígenas e seus impactos sobre o equilíbrio ecológico.
A pesquisa sobre os povos xinguanos e mais particularmente sobre as 10 etnias do Alto-Xingu tem, desde as suas origens etnográficas do Sec. XIX, desde Karl Von den Steinen, sido influenciada pelas descrições dos diversos autores sobre as formas de suprimento de necessidades básicas pelos grupos indígenas, especialmente a adoção de práticas de gestão de território, uso, seleção, melhoramento e povoamento de espécies da flora e da fauna.
Por sua vez, no campo do direito ambiental as pesquisas acadêmicas, mais esparsas e iniciantes, geralmente realçam aspectos de relevância da proteção dos conhecimentos tradicionais com base nos conceitos formulados no ambiente legislativo em torno do avanço do marco legal da proteção dos conhecimentos associados à biodiversidade. Este enfoque evoluiu a partir da edição da Lei 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e regulamentou a criação e a gestão das unidades de conservação, assim como da  Medida Provisória 2.186-16/2001 que dispôs sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional em território nacional.
Esta vertente da pesquisa foi mais recentemente impulsionada pela necessidade de buscar mecanismos formais de controle de práticas dilapidatórias contra o patrimônio biológico. Nesta área de interesse - o saber dos povos indígenas e comunidades locais associado à biodiversidade - vem despertando interesse de inúmeros pesquisadores independentes, como também de indústrias biotecnológicas, na medida em que acessar grupos detentores de conhecimento especializado tornou-se fator competitivo. Comunidades indígenas e locais passaram a ser foco de atenção em razão da constatação de que seus conhecimentos acessados e utilizados, sem ou com seu consentimento e compensação, representam enorme vantagem competitiva para o desenvolvimento de produtos e processos produtivos.
Em contra-reação este interesse sobre o conhecimento tradicional passou a ser alvo de debates, ao ponto de, em 1992, a Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada no Rio de Janeiro, ter reconhecido a necessidade da proteção dos recursos da biodiversidade e os conhecimentos associados.
O tema chegou a receber status de alto interesse na pauta das discussões sobre a propriedade intelectual em fóruns como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), onde se procura compatibilizar o sistema de patentes com o conhecimento dos povos tradicionais.
É em meio a estes debates e pesquisas que surgiu a proposta de criação de um regime sui generis de proteção, diferente de tudo que já se pensou, para priorizar as características de povos indígenas e comunidades locais e de suas inovações e práticas, levando em conta fatores como a natureza intergeracional, coletiva e oral dos conhecimentos.