Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

Gestão Territorial

Uma proposta técnica de diagnóstico e inventário de produtos socioeconomicamente viáveis em terras indígenas.

Apresentação

O presente documento tem por objetivo apresentar um ensaio de abordagem sobre zoneamento participativo (ou etnozoneamento), como um emergente instrumento metodológico de suporte aos processos de gestão territorial para territórios habitados e de alto interesse ecológico. Mais particularmente se dirige para o caso dos programas de etnodesenvolvimento como suporte ao estudo e dimensionamento de alterntivas econômicas para populações indígenas, de acordo com as possibilidades internas (interesse, modos tradicionais de gestão, adesão social e aptidão produtiva), e externas (possibilidade e viabilidade comercial e o marco legal) em cada situação, território e respectiva população.

primeiramente trataremos de apresentar os marcos conceituais e depois uma descrição sintética das principais fases metodológicas do trabalho de etnozoneamento em terras indígenas.

Contexto: Territorialidade e gestão territorial

A territorialidade humana assume uma multiplicidade de expressões. E para entender essa multiplicidade é preciso entendê-la sob a ótica cosmográfica. Isso quer dizer, como expressa Paul Little, "...é preciso entender como um determinado grupo social mantém e se reproduz em seu território sob seus saberes ambientais, ideologias e identidades, coletiva e historicamente criados".

Outro elemento importante nesse enfoque diz respeito à "propriedade social"(Quijano, 1988), segundo o qual, as formas de propriedade entre as populações tradicionais (aqui se inclui as indígenas), se afasta do regime de propriedade baseado na dicotomia entre o público e o privado, incorporando então alguns elementos considerados públicos (bens coletivos, porém sem tutela estatal), como também, por vezes, incorporando elementos comumente considerados como privados – o caso dos bens pertencentes a determinados indivíduos ou grupo de pessoas, mas que existem fora do âmbito de mercado.

É importante considerar, segundo o que descreve Paul Little, "a existência de propriedade social no interior do território de um grupo não necessariamente implica em que toda propriedade é coletivizada e que não há propriedade individual. Cada grupo possui regras específicas de acesso aos recursos naturais (incluindo a terra) que podem variar de inúmeras maneiras."

E essa regra é bastante visualizada no caso das sociedades indígenas. Aquelas regras variam enormemente segundo cada povo, ou ao menos grupos de mesma "linhagem"étnica.

Nessa perspectiva é possivel facilmente perceber por que os processos de gestão territorial têm dimensão estratégica na adequação e readequação das comunidades às condições econômicas e ambientais, de acordo com suas variações culturais e relações com a sociedade envolvente.

Assim a gestão em terras indígenas assume várias funções, entre elas as que consideramos as mais importantes, como as relacionadas a seguir:

Promover atividades que trazem benefícios econômicos em longo prazo para a maioria da população.

  • Emancipar os povos indígenas da tutela e substituir servidão pela autonomia econômica.
  • Empoderar as comunidades indígenas, oferecendo informações e meios de soluções de suas necessidades comerciais.
  • Apoiar o uso racional dos recursos indígenas sem colocar em risco o meio ambiente ou o manejo tradicional de recursos.
  • Proteger os recursos indígenas do esbulho e da usurpação por terceiros.
  • Defender a comunidade da desintegração social por meio do encorajamento de formas comunitárias de produção e comercialização.

A percepção etnoecológica nos processos de planejamento e concepção de projetos comunitários.

Enquanto os povos indígenas geralmente têm uma compreensão muito mais profunda do que ninguém da ecologia do seu meio ambiente e de seus recursos naturais, em muitos casos eles ainda não têm uma idéia clara de como esses recursos podem ser comercializados, ou de como podem ser administrados para acomodar um estilo de vida diferente. Há, porém, uma riqueza de experiências, tecnologias e informações que poderia, se apropriadamente direcionada e adaptada, ajudá-los a alcançar essas metas.

Não por outra razão que nos processos de planejamento do desenvolvimento regional, a inclusão das populações indígenas não se restringe à opção política, mas recurso metodológico que remete à viabilidade e aderência de determinados projetos às seus destinatários. Decorre dessa assertiva, por exemplo, que os projetos em terras indígenas devem ser começados sob a iniciativa de suas populações, como também por eles executados e acompanhados.

Não raro os casos de projetos que concebidos sob estímulos e demandas externas, ainda que sob bons pressupostos, tenham demonstrado resultados freqüentemente piores para a realidade das comunidades do que se não tivessem existido.

Limites territoriais e novas relações com o entorno

Necessidade mudanças de "hábitos"nos usos de bens e soluções soioeconômicas:

Boa parte das populações indígenas no Brasil, especialmente nas últimas duas décadas, encontra-se em processo de reação às mudanças que afetaram as suas relações territoriais, em sua maior parte decorrente de pressões externas sobre os recursos naturais que lhe são de destinação exclusiva.

Nessa sistemática de reação também se inserem as mais diferentes formas de fontes de renda que possam satisfazer as suas novas necessidades (por exemplo, bens manufaturados, saúde, educação, e mais recentemente políticas sociais de transferência de renda).

Não menos significativas são as formas de adaptação ou reação às diferentes variações de situações resultantes, na maioria dos casos, de políticas de expansão econômica desordenada e desprovida de planejamentos que considerem a importância das populações tradicionais nos projetos de desenvolvimento regional.

Nesse processo podemos destacar algumas das mais conhecidas situações de desequilíbrio nas relações entre as políticas públicas e as populações indígenas, evidenciadas nas últimas décadas, quando a expansão das fronteiras econômicas do país tornou-se marco condutor de tais políticas desenvolvimentistas:

Programas e projetos de infra-estrutura e desenvolvimento:. Os projetos de construção de hidrelétricas, ferrovias, rodovias, hidrovias, bases militares, agro-empreendimentos, etc., que resultaram em perda de terras e recursos e em passivos ambientais (por exemplo, a acidificação de rios) e em mudanças sociais (por exemplo, a abertura de suas áreas para programas de colonização e assentamentos rurais).

  • Redução de territórios. Muitos grupos indígenas perderam acesso a porções significativas de seu território tradicional e, por conseguinte, aos recursos ali contidos. Em muitos casos as terras foram ou estão sendo perdidas para fazendeiros, madeireiros, projetos de desenvolvimento, atividades de mineração, colonização formal ou informal, entre outros.

    Invasão de terras e esbulho possessório. As populações indígenas acabaram compartilhando, involuntariamente, suas terras com invasores (por exemplo, garimpeiros, pequenos proprietários, madeireiros, 'extrativistas', etc.). Além de causar problemas de saúde, sociais e ambientais, isso também resultou no aumento da disputa por recursos naturais.

  • Pressão e alteração demográfica. A diminuição de populações causada por epidemias alterou significativamente a pressão sobre recursos naturais e, em alguns casos, resultou numa retração da área efetivamente usada. De forma inversa, expansões subseqüentes de populações, que em alguns casos se seguiram à implantação de operações de atendimento na área de saúde, estão resultando em crescente pressão populacional.

    Migração e deslocamentos populacionais. Alguns grupos migraram para escapar de pressões adversas e ameaças, ou para tirar vantagem de terras que se tornaram disponíveis e, assim, se viram em ambientes significativamente diferentes daqueles aos quais estavam habituados. Em outros casos, como por exemplo, no Parque do Xingu, grupos foram ativamente transportados pela FUNAI, de uma área para outra. Isso requereu uma certa "adaptação etnoecológica".

  • Processos de sedentarização e mudanças nos hábitos econômicos e alimentares. Em muitos casos, o contato crescente com a sociedade brasileira e a dependência crescente de assistência na área da saúde ou de bens manufaturados, resultou no abandono ou redução, pelos grupos indígenas, de suas migrações sazonais e/ou no estabelecimento de povoamentos permanentes. A crescente pressão sobre os recursos naturais próximos de uma comunidade assentada pode, em longo prazo, resultar em alterações nas estratégias de subsistência (por exemplo, dependência crescente da horticultura), nas práticas de manejo de recursos naturais e na escolha de espécies úteis.


    Introdução de novas tecnologias. A introdução de novas tecnologias teve um efeito significativo na relação das populações com o seu meio ambiente. A introdução de ferramentas cortantes eficazes (inicialmente machados e facões, e depois moto-serras), por exemplo, fez com que o corte de madeira de lei ficasse relativamente fácil. Como resultado, as práticas em horticultura mudaram para extração de madeira de espécies nobres, que não podiam anteriormente ser derrubadas. A introdução de armas de fogo e redes de nylon mudou as práticas de caça e pesca e a eficácia das mesmas, e a introdução do transporte motorizado (exemplo, motores de popa, veículos e implementos agrícolas) aumentaram o possível raio de exploração de recursos.

  • Expansão e necessidade de desenvolvimento comercial. Muitas comunidades indígenas estão envolvidas, em algum nível, com o comércio. Geralmente, isso envolve a exploração de recursos naturais em suas terras (abrangendo da exploração madeireira comercial à produção em pequena escala de produtos não madeireiros coletados de modo sustentável na floresta, ou ao artesanato). Isso pode ter um impacto significativo não apenas na forma pela qual as comunidades utilizam e manejam os seus recursos, mas também na maneira como estes são percebidos por elas.

  • Os projetos governamentais e não governamentais de apoio à gestão de territórios e incremento econômico. Embora representem intervenções importantes para as comunidades indígenas, cada vez mais os programas de apoio governamental ou não, tem funcionado como ação indutiva, resultando em mobilização de esforços, diagnósticos e soluções com baixa aderência aos "projetos societários" das populações. Significa dizer que as demandas elevadas à categoria de projetos e linhas de ação, têm limitada conexão com o quadro geral da realidade e com acento nas necessidades fundamentais e com limitada representação dos interesses coletivos e estratégicos de um grupo e seu território.


    Zoneamento como instrumento de leitura e equalização de diferenças

    Importante considerar que mesmo em períodos mais recentes quando o poder público dispõe de recursos tecnológicos que lhe permitiria produzir imagens mais apuradas sobre os complexos das relações socioeconômicas e etnoambientais de territórios de significativa presença de populações tradicionais, boa parte dos elementos dessas relações tem recebido baixa representação nos diagnósticos e planos de desenvolvimento regional, essencialmente por conta dos instrumentos utilizados pelas políticas públicas que possibilitem maior aderência destes às realidades e aos interesses dos seus beneficiários e protagonistas locais.

    Os elementos de representação própria ou interpretações que as próprias comunidades humanas tradicionais fazem sobre sua territorialidade e sua interações com o meio ambiente e os recursos naturais têm baixa representação nas informações que dão suporte ou origem às demandas por ações externas.

    Tanto isso é provável que as aplicações de Zoneamento Sócio-Econômico e Ecológico (ZEE) dispõem de baixo referencial de conhecimento e tratamento das realidades internas dessas áreas especiais. E não as tendo preferem promover "salto" sobre essas realidades. Ou seja: as realidades etnoambientais e os modelos próprios de gestão territorial e dos recursos ambientais não são objeto de tratamento e representação nas metodologias de ZEE praticadas no Brasil.

    De outro lado, experiências comunitárias emergentes começam a ganhar espaço no debate público e estão reconduzindo novos referenciais, novos universos de informações a partir de processos participativos – metodologias de zoneamentos e "inventários" participativos.

    A etnoecologia na abordagem de cenários para projetos de suporte ao desenvolvimento econômico de comunidades indígenas:

    Para Frechione et al. (1989), a Etnoecologia pode ser definida como as percepções que os indígenas têm das divisões 'naturais' no mundo biológico e relacionamentos terraplanta-animal-humano. Essas características ecológicas cognitivamente definidas não existem isoladamente; assim, a etnoecologia também deve tratar de percepções dos interrelacionamentos entre 'divisões naturais' (Posey, 1983).


    Essas percepções formam uma moldura para as interações pessoais com o ambiente natural. Como Frake (1962) indica, o propósito da investigação etnoecológica é descrever o meio ambiente como a própria comunidade o interpreta, de acordo com as categorias de sua etnociência.

    Independente de alguém escolher referir-se a este assunto como etnoecologia ou como ecologia histórica, existe um consenso de que o estudo dos inter-relacionamentos homem meio ambiente é complexo, e demanda uma abordagem interdisciplinar 'holística'. No contexto amazônico, existe variação considerável nas relações práticas entre populações indígenas e seus respectivos ambientes, assim como existe variação nas percepções e compreensão que as populações têm dos mesmos.

    Também varia grandemente o conhecimento e o entendimento que pessoas de fora das comunidades têm a respeito da etnoecologia desses povos. Alguns grupos (por exemplo, os Ka'apor e Kayapo) já foram submetidos a estudos detalhados e extensos, e é razoável dizer que agora são bem 'compreendidos' por pessoas de fora da comunidade, embora, mesmo nesses casos, haja, sem dúvida, muito mais para ser aprendido. Enquanto isso, existem várias outras populações sobre cuja etnoecologia até agora quase nada de significativo foi registrado.

    A variabilidade das relações entre as populações indígenas e seu meio ambiente na Amazônia, por exemplo, se origina, em parte, na diversidade daquele ecossistema. Contrariamente à percepção de muitas pessoas, que vêem a região como uma grande área homogênea de floresta de terras baixas, a Amazônia é um mosaico complexo de florestas de terra firme, savanas arbóreas, buritizais, vários tipos de caatingas com vegetação lenhosa, florestas inundadas ou igapós, florestas de várzea, vegetação secundária e outros habitats antropogênicos.

    Dentro de cada um desses habitats, a composição de espécies e a diversidade variam grandemente de uma região para outra. Além disso, sobreposta a toda essa variabilidade está a diversidade de culturas das populações indígenas que moram na Amazônia.

    Um ponto fundamental é que a etnoecologia de qualquer população indígena não é, e nunca foi, um fenômeno estático. Pelo contrário, as populações da Amazônia são notáveis por sua adaptabilidade e pela vontade de aprender novos usos para seus recursos naturais.


    Além disso, a 'base de recursos' de informação etnobiológica transmitida oralmente e a 'base de recursos genéticos' de plantas cultivadas ou animais de criação sofreram um processo contínuo de evolução, enquanto novas descobertas eram feitas e novas informações, materiais ou espécies eram intercambiadas com populações vizinhas.




    O etnozoneamento participativo como uma ferramenta de conhecimento e aderência socioambiental de projetos em terras indígenas.


    Um "levantamento etnoecológico" ou "etnozoneamento" elaborado e executado num determinado território indígena, se conjugado a elementos metodológicos e meios operativos adequados, pode fornecer, potencialmente, um quadro quantitativo muito detalhado (nível micro) da disponibilidade de recursos naturais, bem como das interações com o meio ambiente e das percepções do mesmo pelo grupo.


    Nesse caso é esperado que este inclua, por exemplo, o mapeamento (geo-referenciado) detalhado de recursos e a produção de dados razoavelmente abrangentes sobre o uso de plantas e animais, recursos hídricos, alimentos, etc.


    Segundo Plácido C. Júnior (2003), levantamentos mais gerais, do tipo esboçado na proposta metodológica para o etnozoneamento aplicado no território do povo indígena Xerente, com recursos disponíveis mais limitados, devem inevitavelmente abordar os vários elementos de um levantamento etnoecológico em nível mais "macro" (qualitativo).


    Assim sendo, por exemplo, enquanto o componente etnobotânico de um estudo em "nível micro" pode fornecer listas detalhadas de espécies de plantas, seus nomes comuns, usos, associações com habitats e quaisquer outras informações referentes a elas, um estudo em "nível macro" necessariamente enfoca os tipos principais de vegetação na área, fornecendo informações detalhadas sobre as espécies de maior importância cultural, social ou econômica para um determinado grupo populacional.


    Embora a etnoecologia seja um campo muito complexo, por razões práticas o enfoque dos levantamentos deva ser mantido nos aspectos da interação homem-ambiente que são de maior relevância para o futuro dos povos indígenas inseridos num determinado território.


    De modo geral o processo metodológico de implementação do etnozoneamento as seguintes questões devem ser claramente explicitadas como pontos chaves:


    • O levantamento deve forneçer informações funcionais e úteis para as próprias comunidades indígenas e também para não-especialistas. Ele deve, portanto, ser mantido em um nível prático e compreensível, com mínima referência a teorias e hipóteses acadêmicas pouco relevantes ou mínima inclusão das mesmas. Todos os resultados deverão ser apresentados graficamente e de forma clara.


    • As comunidades e seus lideres deverão ser incluídos em todas as fases do processo de levantamento;


    • Os resultados do levantamento devem ser comparáveis entre si. Assim, embora inevitavelmente existam diferenças no conteúdo dos levantamentos devido às suas circunstâncias diferentes, é importante que a estrutura esboçada nesta metodologia seja seguida tanto quanto possível;



    A participação indígena no processo – instrumentos de decodificação de informações.


    Os indivíduos da comunidade local (aldeia ou aldeias implicadas) são integralmente participantes do estudo, ao invés de serem apenas objetos de investigação. Elas tomam parte no planejamento do estudo, na coleta de dados, na análise das descobertas e nas discussões de como esses resultados podem ser aplicados em benefício da comunidade.


    As pessoas de fora possuem formações acadêmicas variadas, assegurando uma perspectiva multidisciplinar. A relação entre todos os participantes – locais e externos – é igualitária, evitando uma abordagem hierarquizada, ou de cima para baixo, comum em muitas pesquisas.


    Um pequeno grupo de pessoas locais é selecionado para ser entrevistado de forma semi-estruturada. Uma ampla variedade de tópicos pode ser coberta de forma preliminar, permitindo uma visão abrangente de como a comunidade, como um todo, funciona.


    As medições utilizadas são qualitativas ao invés de quantitativas, e poucas ferramentas estatísticas são utilizadas na interpretação dos resultados. A ênfase é colocada em técnicas altamente visuais e mentais, que os membros da comunidade executam entre eles mesmos, freqüentemente em colaboração com pesquisadores externos – esboçando mapas para mostrar a classificação local de zonas ecológicas, criando gráficos que representam a quantidade de tempo que as pessoas dedicam às várias atividades produtivas, ou esboçando calendários que mostram flutuações climáticas sazonais, para dar alguns exemplos.


    A análise dos dados é executada no próprio ambiente da comunidade, o que permite aos participantes modificar os seus métodos no local da ação e completar quaisquer dados que estejam faltando depois do trabalho de campo.


    Os participantes indígenas desenvolverão uma sólida compreensão do projeto, que eles provavelmente não obteriam se apenas acompanhassem visitas às suas próprias comunidades. Isso não apenas significará que eles e suas comunidades provavelmente continuarão o processo depois da partida do resto da equipe, como também facilitará a coleta de dados durante o levantamento.


    Se a equipe incluir pessoas que falam as línguas indígenas e são capazes de explicar o propósito do levantamento à comunidade, isso fará a coleta de informações úteis substancialmente mais eficiente quando a equipe chegar a uma nova localidade.


    Além do mais, há um valor intrínseco na experiência que esses participantes ganharão por visitar e conversar com outros grupos indígenas durante os levantamentos. Esforços devem ser empreendidos para identificar esses participantes durante o workshop inicial.


    As indicações de participantes adequados podem ser obtidas de pessoas e especialistas que trabalharam anteriormente na área (indigenista, antropólogos, técnicos de projetos, etc.), assim como dos líderes das comunidades. Sabe-se que a seleção desses participantes está sujeita a influência política nas comunidades, o que pode vir a complicar a decisão (e requerer uma certa dose de diplomacia).





    A elaboração e a apropriação comunitária dos resultados finais – o instrtumento de gestão.


    Tão importante quanto o desenvolvimento metodológico dos levantamentos das informações e a sistematização dos dados, também o será o processo de tratamento das informações com os participantes e sua "devolução" ao ambiente comunitário, através de instrumentos apropriados à sua interpretação e ao uso cotidiano por parte comunidade.


    Uma boa audiência (reunião comunitária), com metodologia adapatada aos sistemas de comunicação de um grupo étnico poderá ter maior eficácia do que qualquer reunião expositiva. Assim também, como o trabalho de elaboração das informações tenha se fundado em procesos mentais, visuais e orais, importante que os produtos finais que sintetizam as informações, igualmente possam dar a maior preferência aos recursos visuais e orais.


    Nesse caso os recursos de georeferenciamento (mapas) deverão ser produzidos de forma a viabilizar a mais facilitada visualização possivel, como também, o mais fácil e versátil manuseio por parte dos lideres comunitários.


    Recursos de vídeos também demostram boa versatilidade, ao tempo que sugerem maior atrativo e dinâmica comunicativa.


    O processo de apropriação das informações torna-se o elento essencial da produção do etnozoneamento e o será mais rico e proveitoso tanto quanto mais pessoas e maiores informações forem disseminadas e dominadas pelos líderes e todos os comunitários.


    Nesse sentido os instrumentos de registro das informações, linguagem e referências de dados, produzidos para o universo científico, acadêmcio ou para instruir os procedimentos dos órgãos públicos e das instituições apoiadoras não devem ser confundidos com aqueles instrumentos comunitários. Não é incomum que nas comunidades onde tenham sido desenvolvido minunciosos levantamentos e tratamentos de informações, esse processo de transferência de informações de limitar à uma cerimônia de "doação" de um Compacto Disk (CD) de dados eletrônicos. E por limitada significância, na maioria das vezes, também se limitam a servir como peça decorativa de algum ambiente.


    Importante ressaltar que o processo de audiência deve possibilitar, por metodologia e recursos de comunicação, momentos (nesse caso podendo ser em ciclos de reuniões nas aldeias) do detalhamento e transferência de informações aos membros da comunidade para a qual todo o processo foi pensado e destinado.


    Como instrumento de domínio de informações, o levantamento de informações territoriais, socioambientais e das possibilidades econômicas apuradas pelo etnozoneamento se configura em um dos importantes instrumentos de gestão comunitária. Sendo isso verdade, compartilhar esse instrumento com a comunidade regional, autoridades dos órgãos públicos, instituições acadêmicas e a sociedade civil, pode ser, a juizo da comunidade, importante processo de empoderamento da mesma, especialmente na potencialização das suas interveniências nos diversos fóruns de deliberação e planejamento das políticas públicas regionais.





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    www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2148

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    Banco de dados da Amazônia - http://badam.ada.gov.br/index.asp.





    Brasília, novembro de 2005.


    Villi F. Seilert

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