Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

Pressupostos científicos da idéia política de meio ambiente


Villi Seilert - 2008

Cartão Postal (1929) - Tarsila do Amaral. Óleo sobre a tela. 162 X 176 cm. (recorte)

À guisa de iluminar nosso raciocínio sobre o tema da valoração ambiental abordado em outro artigo, destacamos alguns elementos conceituais formadores da idéia política de “meio ambiente” e “impacto ambiental”, conforme aduzido das reflexões de Ludwig Trepl (2006), por sua vez aludindo Foucault, Eisel e  Leibniz .


Para adentrar no raciocínio de Trepl imaginemos a seguinte exercício que ele mesmo sugere: suba até o ponto mais alto de uma montanha (imagine uma daquelas formações rochosas da Serra da Montiqueira - como a do Parque do Itatiaia - no Rio de Janeiro e fronteira com  Minas Gerais)  e lhe é perguntado sobre o que você estaria percebendo ao redor, na sua totalidade, ou seja, no conjunto dos detalhes. 


Sua resposta certamente poderia ser:
- Vejo uma paisagem, bela, ensolarada, grandiosa, rica, ou outras impressões.

Ora, sendo uma dessas a sua percepção, à luz do que é científico, não poderia ser aceito, muito embora estivesse precisamente descrevendo a sua percepção da natureza.

Eis que com as ciências modernas entrou em cena uma natureza que não pode ser bela, diz Trepl. Pois das leis naturais não decorrem regras da virtude. Pois o que na natureza se encontra pode ser utilizado para bons como para maus objetivos, sua validade é objetiva, sem provisão de valor ou sentido.


Assim, por consequência, dizer que uma montanha consiste em “x” milhões de toneladas de determinado minério, ou que uma árvore é “y” metros cúbicos de biomassa, ou que um aquífero corresponde a “n” bilhões de metros cúbicos de água conversíveis em bem econômico seria então cientificamente válido e positivamente jurídico.

A dedução desse positivismo científico, conforme argumenta Trepl, é que a natureza paisagística, totalizadora é pois uma natureza sem a ciência. Por outro lado, a natureza interpretada pelas ciências exatas e teórico-experimentais é a mesma apropriada pela produção industrial, lugar onde pode emergir como força, padrão, energia, medida, matéria de dureza, elasticidade, economia, etc.


Pelo visto essa bipolaridade ou bifurcação ideológica tem suas raízes históricas no pensamento humano não tão recente. Por volta do fim do século XVII emergiram as figuras do pensamento do ideal de natureza crítica conservadora da cultura. A “paisagem” já não era entendida como obra de arte que o sujeito, o artista, artesão, o pintor, o paisagista constrói de modo autônomo a partir da própria mente mas, ao contrário, como relação funcional. Num sentido materialmente científico – no sentido da ciência natural - os elementos da paisagem não estão reciprocamente ajustados em termos de uma harmonia estética.

Nesta condição um elemento funciona a serviço do outro e todos a serviço da totalidade – todos os elementos, inclusive os homens, devem integrar-se e subordinar-se à totalidade. Etnão, a partir da construção do novo surge a integração em algo dado, surge a adaptação a um meio ambiente ecológico. A natureza então é entendida a partir do modelo do organismo. Eis a mudança da imagem iluminista do mundo para uma imagem “conservadora” da natureza.


Nesse ideal conservador da natureza, da equiparação do racional ao natural decorre a idéia de que devem ser reconhecidos os limites estabelecidos aos homens pela natureza, ou como se diz modernamente, pelo “meio ambiente”.

Antes viver racionalmente era viver de acordo com as medidas do possível. E viver irracionalmente, pois antinaturalmente seria, então, o remodelar a natureza de acordo com os padrões do homem supostamente livre e autônomo.

Assim, diz Trepl, que “do século XVII ao final do século XVIII não existia “vida” na ciência”. também não se poderia dizer de diferença categórica entre o reino vegetal e o animal. Ora, o ser é o que é visível, isto é, sua estrutura morfológica visível. O que é idêntico segundo a estrutura visível é idêntico em si. Assim o ser de alguma coisa é exatamente o que é imutável nela e o que é imutável está fora dela. Por mais que tudo esteja muito bem ordenado e mutuamente sincronizado, a relação ainda é uma relação de exterioridade. A instância criadora, que dá sentido a tudo e que determina o ser dos seres, situa-se fora da esfera dos seres.


Já na virada do século XIX as estruturas visíveis dos seres tornaram-se meros sinais, indicadores que apontam para uma organização, para um plano arquitetônico, que cumpre determinadas funções. Nessa relação entre estrutura e função, nas relações que os órgãos mantêm entre si a serviço de determinadas funções, como respiração, digestão, fotossíntese, etc., relativas ao todo do organismo. Assim, o organismo pode, portanto, ter uma história.

Por esse modo especial de existência os seres vivos se distinguem agora das coisas mortas, e isso não por sua estrutura visível, portanto não pelo fato das suas externalidades. Agora, a relação com o “meio ambiente” ganhou nova significação.
Ela não mais deve caracterizar-se pela relação encadeada todo-parte, mas cada ser vivo, como uma espécie de centro, representa as coisas que se encontram fora dele, tem uma totalidade, seu mundo, como “corpo” e “espírito”. À sua volta, não existe mais cosmos, a criação, o mundo, mas tantos quantos centros existirem, ou seja, seres vivos.

A instância criadora não fica mais, como Deus, fora da totalidade do mundo, mas no sujeito e já um pouco nos inúmeros seres vivos individuais. Cada um deles cria e modifica seu meio ambiente e com isso cria e modifica a si mesmo. E ao mesmo tempo em que é criado e modificado pelo meio ambiente, cada um ao seu modo dá “sentido” às coisas ao seu redor, por si mesmo.

A diferença é que se antes um ser vivo consistia em uma estrutura visível, agora a estrutura visível é apenas um indício superficial de algo invisível que constitui realmente o ser em seu todo. O ser consiste num constituir-se específico da vida no sentido ecológico descrito: um produzir-se em interação com o que está à volta. Eis uma síntese da mudança da concepção fisionômica de Humbold para a concepção de Grisebach das formas produzidas pelo fator ambiental.

Noutra vertente, predominante na ciência da ecologia, as comunidades ou ecossistemas não são sistemas que tomam liberdades com o seu meio ambiente. Somente os organismos individuais possuem, num sentido restrito, o caráter de auto-organização e com isso o caráter de um todo que, como a “mônada” (em Leibnitz), possui um centro que representa as coisas que se encontram fora dela, que é “um espelho do universo”, e assim constrói para si mesmo um ambiente. 


Tudo indica que esses pensamentos, não tão recentes, revelam o centro do conflito que a ecologia tem enfrentado hoje. 


E tais concepções estão atualizadas, de uma ou de outra forma, em termos da teoria dos sistemas. No primeiro caso as comunidades ou “ecossistemas” são sistemas auto-organizadores que tomam liberdades com o seu meio ambiente e com isso o constituem. Essa é uma idéia que basicamente predomina na “ecoideologia”, agora mais conhecida como “Hipótese Gaia”.

Dessa bifurcada concepção certamente toma impulso as diferentes respostas, por exemplo, para uma proposição que sugere sobre quais intervenções deveriam ser propostas para prevenir, compensar, indenizar, valorar os “impactos ambientais”.

Então, por pressuposto, seria superficial uma abordagem de avaliação de impacto ambiental, riscos, assim como de mitigação, reparação ou indenização, sob mero enfoque econômico-valorativo, para se expandir para muitos outros elementos de abordagem e conversão em valor de sistemas auto-organizadores ou sistemas sem liberdade com o seu meio ambiente.




Notas:
1. Ludwig Trepl,(biólogo) em Previsão de Impactos Ambientais – o estudo de impacto ambiental no Leste, Oeste e Sul. Clarita Müller-Plantenberg e Aziz Ab’Saber (orgs.), Edusp, Aid 2006. P. 329-350.
2. Foucault, M. Die Ordnung der Dinge. Frankfurt/Main. 1974.
3. EISEL, U. “Die Entwiclung de Antropogeographie Von einer Raumwissenschaft zur Gesellschaftwissenschaft”. Urbs et Regio, 17, 1980, 690p.
4. Mónade, termo normalmente vertido por mónada ou mônada, é um conceito-chave na filosofia de Leibniz. No sistema filosófico deste autor, significa substância simples - do grego μονάς, μόνος, que se traduz por "único", "simples". Como tal, faz parte dos compostos, sendo ela própria sem partes e portanto, indissolúvel e indestrutível.

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