Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

Dois fatos de testemunho ocular formam a mobilização para o projeto de pesquisa que está em curso (veja também parte I):

Fato 1:

No ano de 2002, na cidade de Cuiabá, em evento social que lançava o caderno para o Estado de Mato Grosso do jornal Gazeta Mercantil, um senhor proclamado como o maior empreendedor individual do agrobusiness da soja em escala global, deixava inquieta a platéia de espectadores, enquanto projetava uma síntese do que seria o desempenho de seus empreendimentos, sugerindo assim revelar uma espécie de fórmula de salvação para a economia agrícola nacional a partir de demonstrações do fluxo da expansão do cultivo da soja sobre os biomas do Cerrado e da Amazônia. No episódio o discurso marcou uma posição política entre os “empreendedores da natureza” e os “catadores de coquinhos”, nas palavras do próprio apresentador, referindo-se aos gestores ambientais e aos seus apoiadores.

Três anos depois do episódio o Estado de Mato Grosso foi apontado como o responsável por quase a metade (48,1%) do total desmatado na Amazônia Legal (INPE, 2004 e 2005).

Na medida do crescimento do desmatamento sobre as florestas o maior grupo do agronegócio brasileiro, coincidentemente de propriedade do principal gestor do Estado de Mato Grosso, comemorava aumentos de 28% no faturamento - US$ 532 milhões em 2003, contra US$ 415 milhões em 2002 - e de 21% na área plantada - 170 mil hectares em 2003 contra 140 mil em 2002 (FLEXOR et al., 2006 e GRUPO MAGGI, 2004).


Fato 2:

Em meados dos anos 90 as lideranças do Parque Indígena do Xingu, no nordeste do Mato Grosso, manifestaram sua preocupação com o assoreamento dos rios que cortam o parque e com a situação de ocupação e desmatamento no entorno daquele território.

Organizações não-governamentais como o Instituto Socioambiental (ISA), que atuam na região desde 1994, incorporaram a questão apresentada pelos indígenas e desenvolveram a idéia de apoiar uma campanha na região das cabeceiras do rio Xingu inicialmente mobilizado para a recuperação e conservação das matas ciliares que protegem suas nascentes.

Levantamentos do desmatamento na região do Xingu evidenciaram que a degradação das nascentes e matas ciliares ameaça de modo direto a qualidade de vida de 15 mil indígenas que habitam a região das cabeceiras do Xingu, e de cerca de 250 mil não-indígenas de 25 municípios da bacia do rio, no nordeste do Mato Grosso, sem considerar seu impacto sobre a carga hídrica da Bacia Amazônica. (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2010).

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que em 2000, o desmatamento de áreas de floresta na Bacia do Rio Xingu, localizadas fora de áreas protegidas, somou 2,9 milhões de hectares, o equivalente a pouco mais que um Parque do Xingu.

Segundo o ISA, citando o INPE, embora a partir do ano de 2000 os números estejam baixando, ainda são muito preocupantes. Em 2001, por exemplo, o INPE registrou um volume de 238 mil hectares e no ano de 2002, o desmatamento em áreas de floresta alcançou 131 mil hectares (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2002).

Vale dizer que esta campanha é um dos seguidos esforços de expressão coletiva e dimensões interinstitucionais, mobilizada pelos Xinguanos nos últimos 15 anos para reverter os processos de ocupação desordenada na região.


Argumento/hipótese:

Durante a última década, sob influência do vértice econômico sobre a natureza, a utilização de instrumentos econômicos e financeiros assumiu importância crescente na gestão do meio ambiente em geral e da água em particular.

As políticas ambientais – como se põe em evidência a Política Nacional de Recursos Hídricos que por sua vez instrumentaliza a gestão dos aqüíferos com a criação da figura da outorga do direito de uso e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos (Art. 19 da Lei Federal nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997) - têm vindo a adotar gradualmente estes princípios econômicos, de modo que o marco legal e os modelos de gestão preconizam a aplicação de políticas de preços da água a propósito de incentivar a utilização sustentável dos recursos hídricos.


Assim, pelo caso exemplificado – o do uso dos recursos hídricos - parece se evidenciar uma tendência de universalização de um regime de precificação de bens naturais vitais nas políticas públicas.

   Embora se verifique essa tendência de tratamento como bem econômico, como no caso da água, boa parte dos bens da natureza é vital para os ciclos de vida e para a sobrevivência e o bem estar do Homem (Declaração dos Direitos Humanos, 1948 e Conferência das Nações Unidas sobre a Água, de 1977).  Partindo deste princípio, o acesso a uma determinada quantidade vital de recursos da natureza, a exemplo da água, é um direito fundamental de todos os indivíduos que deve ser respeitado pelo Estado (PETRELLA, 1998).

Assim, supõe-se que a definição dos modelos de políticas públicas sobre recursos naturais depende cada vez mais da capacidade do Estado em garantir esse direito das pessoas, cujas escolhas dependem também da compreensão acertada sobre a natureza como bem público e que só se torna privado pela apropriação humana.

Por sua vez, a manutenção e recuperação de tais bens naturais, com qualidade e volume suficiente para atender aos diversos usos da sociedade, constituem um dos principais serviços ambientais prestados por territórios de interesse ecológico, e em boa parte dos casos, por unidades de conservação habitadas por populações que têm padrões culturais diferenciados.

Ocorre que os estudos econométricos para a interpretação da oferta dos recursos naturais comumente não têm contabilizado bens então denominados intangíveis. No entanto, tais bens são determinantes para os ciclos de manutenção dos mesmos. Assim, por exemplo, os serviços ambientais desenvolvidos por populações tradicionais ou não, que interagem positivamente com os ciclos naturais em determinados territórios, não são contabilizados nas operações da apropriação dos custos da produção, reprodução e conservação, como é possível se verificar no caso dos preços da água cobrados dos usuários.

Este estudo, portanto, buscará - ao enfocar os processos de relações e gestão de recursos naturais – com foco na observação dessas relações no PIX e no Complexo Xinguano - elementos que contribuam com o aprofundamento da pesquisa cientifica em direção à solução do problema do desequilíbrio de valores socioambientais para uma nova contabilidade ambiental que seja capaz de repercutir nos instrumentos de políticas públicas de planejamento e regulação de investimentos, legislação, aplicações jurisdicionais e tomadas de decisões a respeito de riscos e viabilidade de projetos.

Certamente poderá ampliar o conhecimento e possibilidades aplicativas para instrumentos de comando e controle, de institutos jurídicos e políticas compensatórias para populações que adotam padrões de atitudes de conservação e uso sustentável dos recursos naturais. 

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