Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

Indicadores sociais e ambientais em projetos de corporações financeiras

Desde a primeira revolução industrial o mundo tem passado por transformações e fatos novos têm influenciado a que o Estado, a sociedade e as empresas mudem de comportamento em relação à natureza.

No nível internacional surgiram as convenções e protocolos. E sob influência de tais acordos internacionais, também estão as ações locais, onde cada país cria leis com o intuito de ordenar mudanças de hábitos por parte de suas corporações produtivas  e da sua população.

É nesse ambiente de influência e indução que empresas vêm incorporando ações socioambientais, devido, primeiramente, às políticas governamentais, e posteriormente de mercado, onde investidores e clientes passaram a cobrar posturas sustentáveis daqueles em quem investem e compram bens ou serviços os quais têm suas fontes em recursos naturais. Entre estas organizações estão as instituições financeiras.

Segundo a organização não-governamental BankTrack (www.banktrack.org.com), atualmente as instituições financeiras não podem esquecer que exercem um importante papel na sociedade, e que podem ser agentes de transformação ao adotar a sustentabilidade em suas estratégias de negócios.

Do ponto de vista moral e jurídico os bancos são co-responsáveis pelas atividades econômicas que financiam e conseqüentemente podem ser responsabilizados por emprestar dinheiro a um cliente poluidor, inclusive. Recentes episódios divulgados pela imprensa internacional têm trazido a exposição solidária de bancos em crimes ambientais. Para evitar isso, as instituições financeiras passaram a adotar a variável ambiental como uma vantagem competitiva na avaliação da concessão de crédito. 

De todo modo a inserção da variável ambiental e o reconhecimento da co-responsabilidade no setor financeiro surgiram gradualmente com ações pontuais e posteriormente, globais, geralmente associado à mobilização da sociedade civil.

Uma das primeiras iniciativas surgiu em 1980, a partir da criação de uma lei, em forma de imposto, pelo Congresso Americano, chamada de "Superfund". Sua atuação já responsabilizou legalmente instituições financeiras pela reparação de danos ambientais causados por seus clientes (TOSINI, 2006).

Após decisões judiciais responsabilizarem bancos pela reparação de danos ambientais causados pelos destinatários de seus créditos, entidades do setor financeiro dos Estados Unidos e países da Europa incorporam como medidas de prevenção, na concessão de crédito, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).

Esta preocupação também perpassa órgãos de grande visibilidade internacional como o Banco Mundial e as Nações Unidas, que criaram iniciativas próprias como a International Finance Corporation (IFC) e o The United Nations Environment Programme Finance Initiative (UNEP-FI), além das parcerias com o setor privado que resultaram no Pacto Global e nos Princípios do Equador.


Mais recentemente as instituições das Nações Unidas criaram instrumentos de condicionantes ambientais para os seus contratos de bens e serviços, ampliando os seus manuais de convergências. No caso do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD o Environmental procurement (volumes 1 e 2)  é um bom exemplo. (veja em http://www.undp.org/procurement/documents/UNDP-SP-Practice-Guide-v2.pdf).

Vale dizer que existem várias iniciativas independentes de definição de princípios para a atuação dos agentes financeiros, como é o caso do Carbon Disclosure Project, a Declaração de Collevecchio.

Nos limites deste estudo apresentaremos duas iniciativas que tem significativa influência sobre as operações dos agentes financeiros. Um em escala mundial, como é o caso do denominado Princípios do Equador, este sob forte influência de princípios ou agentes privados de crédito. O outro é o Protocolo Verde, uma iniciativa do Brasil, sob a corporação de uma rede de bancos públicos, sob iniciativa governamental.




Os Princípios do Equador

Segundo o Observatório Social os Princípios do Equador tiveram a sua gênese em outubro de 2002, quando o International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, e um banco holandês (ABN Amro) promoveram, em Londres, um encontro de altos executivos para discutir experiências com investimentos em projetos, envolvendo questões sociais e ambientais em mercados emergentes, nos quais nem sempre existe legislação rígida de proteção do ambiente.

Em 2003, dez dos maiores bancos no financiamento internacional de projetos (ABN Amro, Barclays, Citigroup, Crédit Lyonnais, Crédit Suisse, HypoVereinsbank (HVB), Rabobank, Royal Bank of Scotland, WestLB e Westpac), responsáveis por mais de 30% do total de investimentos em todo o mundo, lançaram as regras dos Princípios do Equador na sua política de concessão de crédito.

Pelas recomendações contidas nos Princípios do Equador, os projetos estarão sujeitos a uma revisão e serão categorizados com base na magnitude do impacto ou risco que representam, de acordo com os critérios socioambientais estipulados pelo IFC.

Pelos princípios, em tese as empresas interessadas em obter recursos no mercado financeiro internacional deverão incorporar, em suas estruturas de avaliação de Project
Finance, salvaguardas do tipo:

  • Gestão de risco ambiental, proteção à biodiversidade e adoção de mecanismos de prevenção e controle de poluição;
  • Proteção à saúde, à diversidade cultural e étnica e adoção de Sistemas de Segurança e Saúde Ocupacional;
  • Avaliação de impactos socioeconômicos, incluindo as comunidades e povos indígenas e autóctones, proteção a habitats naturais com exigência de alguma forma de compensação para populações afetadas por um projeto;
  • Eficiência na produção, distribuição e consumo de recursos hídricos e energia e uso de energias renováveis;
  • Respeito aos direitos humanos e combate à mão-de-obra infantil.
A aplicação destes princípios sugere o estabelecimento de um rating socioambiental, sugerido pelas instituições financeiras, sendo os projetos categorizados em A (alto risco), B (médio risco) ou C (baixo risco).

Por princípio se concede empréstimo a projeto que possua Plano de Gestão Ambiental, devendo estar focado na mitigação, planos de ação, monitoramento e gerenciamento de riscos e planejamento, levando-se em conta as classificações A, B e C.

"A" significa a possibilidade do projeto ou investimento apresentar significativos impactos ambientais adversos que forem sensíveis, diferentes ou sem precedentes. Como sensível, entenda-se aquele que apresenta possibilidade de ser irreversível, como, por exemplo, levar à perda de um importante habitat natural ou afetar grupos ou minorias étnicas vulneráveis, envolver deslocamento ou recolonização involuntária, ou afetar locais de herança cultural significativa.

"B" significa projeto ou empreendimento com potencial de causar impactos ambientais adversos em populações humanas ou áreas ambientalmente importantes, porém menos adversos que aqueles dos projetos classificados sob a categoria "A".

"C" significa projetos ou empreendimentos com possibilidade de apresentar mínimo ou nenhum impacto ambiental adverso.

Esta categorização é um conjunto de regras chamadas salvaguardas, criado pelo International Finance Corporation (IFC) entre 1990 e 1998, e sua aplicação é de responsabilidade dos bancos que devem investir na qualificação dos analistas de crédito para atender a essas exigências. Vale dizer que importante agentes financeiros internacionais como o World Bank (BIRD)e o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) adotam esse parâmetro de classificação nas suas políticas e diretivas operacionais.

Na prática deve haver um procedimento de Avaliação socioambiental, pela qual os projetos da categoria A e B devem conduzir uma avaliação multidisciplinar socioambiental apropriada e satisfatória para as instituições financeiras signatárias, apresentando aspectos possíveis impactos e riscos socioambientais do proposto projeto; medidas mitigadoras e de gerenciamento.

Os projetos devem atender a padrões socioambientais aplicáveis, usualmente adequados ao marco legal interno. Nesse caso os projetos devem apresentar a Avaliação de Impactos Socioambientais baseada nos documentos Performance Standards do IFC e Industry Specific EHS Guidelines do Banco Mundial e de acordo com a legislação, regulamentação e licenças locais.

Também devem apresentar um Plano de ação e Sistema de Gerenciamento, considerado imprescindíveis para os projetos das categorias A e B. Tais documentos deverão apresentar um plano de ação que deverá descrever e priorizar ações necessárias para a implementação de medidas mitigadoras, corretivas e de monitoramento a fim de gerenciar os impactos e riscos socioambientais identificados na avaliação.

Outra exigência são as Consultas e Esclarecimentos. Nesse quesito o tomador deverá consultar, através de audiências públicas, as comunidades afetadas pelo projeto de maneira estruturada e culturalmente adequada. Tal consulta deverá ocorrer de forma livre, consentida e informada, ou seja, atendendo a padrões de conversão a linguagem adaptada, sem artifícios de influências coercitivas e isenta de manipulação de dados e informações estratégicas.

Também devem implantar Mecanismo de Reclamações. Neste quesito os projetos que estão na categoria A e, em alguns casos, na B deverão criar um mecanismo de reclamações em seu sistema de gerenciamento para assegurar a continuidade das consultas públicas e do esclarecimento de informações para as comunidades afetadas.

Deverão adotar processos de Revisão Independente. Neste quesito os projetos de categoria A e, em alguns caso a categoria B, deverão passar por procedimentos especializados e independentes de análise socioambiental.


1.    O Protocolo Verde

No Brasil o denominado "Protocolo Verde" é uma iniciativa do governo brasileiro de definir parâmetros para as operações financeiras destinadas a financiar projetos e atividades produtivas que impliquem em algum impacto social e ambiental.

O Protocolo Verde em linhas gerais segue os parâmetros dos "Princípios do Equador".
Parte do pressuposto que o uso do crédito como ferramenta para viabilizar a sustentabilidade dos recursos é uma dessas adequações necessárias e mínimas para se conviver com os riscos ambientais.

O Protocolo Verde tem origem nos trabalhos de Grupo de Trabalho instituído pelo governo brasileiro através de decreto em 29 de maio de 1995 (ALIMONDA; LEÃO, 2005).

Originalmente foi formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), Ministério da Fazenda, Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária, Ministério do Planejamento e Orçamento, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Banco Central do Brasil (BACEN), Banco do Brasil S.A (BB), Banco da Amazônia S.A (BASA), Banco do Nordeste do Brasil S.A(BNB), Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Como se vê pela sua formação o Protocolo Verde teve exclusiva formação por instituições públicas de crédito com o claro intento de, através de iniciativas públicas, influenciarem o mercado de crédito no país.
Pelas orientações do documento, as instituições financeiras federais se caracterizam como aliadas nas ações de prevenção e controle da degradação ambiental, especialmente aquela causada ou potencial causadora por empreendimentos financiados com recursos oficiais.

Segundo MACHADO, (1996), as instituições financeiras são co-responsáveis por financiamentos que possam resultar em danos ambientais, na medida em que a Constituição Brasileira, art. 192, caput aponta que o sistema financeiro nacional deveria "[...] servir aos interesses da coletividade [...]", e, por sua vez, o crédito como uma necessidade de realização da produção e do consumo deve ficar subordinado à moralidade e à legalidade de quem os financia.

Nem sempre as instituições financeiras estão habilitadas e estruturadas para cumprir este quesito. Embora isso, as principais instituições nacionais de crédito, como o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Nacional (BNDS) hoje dispõem de normas internas para salvaguardas sociais e ambientais.

Hoje os bancos, inclusive privados, aqueles que são operadores de fundos públicos, estão ampliando seus esforços para aplicação de condicionantes ambientais na disponibilização de linhas de créditos para o financiamento de atividades empresarias que impliquem em infra-estrutura produtiva ou de bens de capital.
Eis as principais linhas de orientações do Protocolo Verde às instituições financeiras federais:

As instituições operadoras de crédito devem empreender esforços para:
  • Explicitar seu compromisso com a variável ambiental, por intermédio de uma Carta de Princípios, que, por sua vez deve atuar como guia interno para suas operações, como também, estímulo aos clientes sobre a relevância do meio ambiente na elaboração e gestão de projetos.
A esse respeito deve ser dito que essa recomendação tem sido tomada por vários bancos públicos e privados em todo o mundo, ao aderirem à Declaração Internacional dos Bancos para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, patrocinada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

  • Constituir unidades ou grupos de técnicos que se dediquem especialmente para identificar a relação entre meio ambiente e as atividades econômicas, atuando internamente para a promoção e coordenação de atividades estratégicas quanto ao tema e participando de atividades externas com outras instituições.
  • Promover a difusão de conhecimentos sobre o meio ambiente para os empregados, por intermédio de treinamento, intercâmbio de experiências, elaboração e análise de projetos ambientais.
  • Adotar sistemas internos de classificação de projetos, que levem em conta o impacto sobre o meio ambiente e suas implicações em termos de risco de crédito.
  • Identificar mecanismos de diferenciação nas operações de financiamento, em termos de prazos e taxas de juros, com base na mensuração dos custos decorrentes de passivos e riscos ambientais.
  • Promover a criação de linhas de financiamento para as atividades de reciclagem, recuperação de resíduos e recuperação das áreas de disposição.

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