Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

A construção de uma esfera pública

Autor: Villi Seilert

Publicado
Jornal Gazeta Mercantil
em  28/07/2000, São Paulo.

Diário de Cuiabá sob o título: "ONGs fortalecimento moderno da democracia"
Edição nº 9587 29/04/2000
http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=1623


Nos últimos meses alguns políticos matogrossenses, juntados ao coro de outros de tradição reacionária da Amazônia, sob propósito de organizar investimentos na região, elegeram as organizações não-governamentais (ONGs) como uma espécie de bode expiatório para o que chamam de entrave ao desenvolvimento regional. O fenômeno de políticos buscarem justificativas oportunistas, quando estão diante de problemas para os quais foram chamados a trabalhar sob custas do povo, não é novo.
Na verdade, a questão da participação da sociedade civil na vida e no interesse público se basea em dois tipos de visões: - o primeiro consiste, em síntese, numa confusão entre público e estatal, resultando na redução do público ao estatal. Esta miopia conceitual tem origens na exagerada tradição estatista, presente em diversos setores da sociedade brasileira, inclusive na esquerda e movimentos sindicais; - o segundo, agora muito em voga, na era da globalização, restringe a questão da participação da sociedade civil a uma lógica instrumentalista e tarefeira.
Por esta última estratégia neoliberal, a sociedade civil, especialmente as ONGs, passa a ter um papel de serviço limitado às tarefas para as quais geralmente o Estado tem dificuldade ou não as quer executar.
É importante reconhecer o papel que as ONGs têm cumprido na construção de uma nova esfera pública. Destaco aqui alguns aspectos deste papel.
O primeiro é de ordem socioeconômica e política, pelo qual o Brasil passou por mudanças a partir da Constituição de 1988, no bojo de uma ampla mobilização social. No processo constituinte emendas constitucionais que deram um tom moderno ao arcabouço constitucional nasceram no debate popular, muitas delas sistematizadas em oficinas não-governamentais.
O segundo, para trazer a questão mais próxima, deve ser dito que a sociedade civil, particularmente as ONGs, foi parceira e, em muitos casos, fiadora social na concepção e execução de políticas públicas implementadas por vários governos. Os últimos governos de Mato Grosso e vários dos agentes financiadores internacionais sabem disso.
Dificilmente os governos teriam, por conta de princípios definidos pelos próprios agentes financiadores, como o BIRD (ou Banco Mundial) e BID (Banco Interamericano para o Desenvolvimento), obtido financiamentos para os propostos investimentos em infra-estrutura e desenvolvimento agroambiental (a exemplo de projetos amazônicos como Poloamazônia, Polonoroeste, Planafloro, Prodeagro, PDA - etc.), se não sustentados em aval obtido no âmbito da participação social.
Embora desempenhando papéis de parceiras em campos executivos tradicionalmente de domínio dos governos e da iniciativa privada, o papel das ONGs transcende em muito o impacto direto e os resultados diretos dos projetos que desenvolvem.
O papel precípuo reservado às ONGs é o de contribuir, e o fazem exemplarmente, para a mudança das relações entre o Estado e a sociedade, entre o público e o privado. Não por outra razão que fóruns de ONGs como o Fórum Nacional de ONGs e o Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento - Formad, defendem a tese de que as ONGs e outras entidades sem fins lucrativos, em verdadeiro dever público, devem ter acesso a fundos públicos, como ocorre há muito tempo em todos os países em que o capital se tornou mais inteligente e civilizado, através dos controles impostos pelo mercado e do estado de bem estar social.
Villi Seilert Advogado, pesquisador e militante no campo de políticas públicas socioambientais.

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