Direito & Planejamento e Gestão Socioambiental

A eco-sócio-economia e os limites do domínio privado dos recursos ambientais



Invariavelmente o assunto do desenvolvimento sustentado ou a "eco-sócio-economia" remete ao professor Ignacy Sachs, quem tem desenvolvido os mais conhecidos raciocínios sobre o tema, especialmente a respeito do novo paradigma do homem e suas relações com a natureza, diga-se de passagem, para além da gramática da econômica neoclássica.


Aqui vale ressaltar que o problema ,em certo aspecto, já foi anunciado por Karl William Kapp (1950), quando fez inferências sobre o tema chave que abordamos, a saber, o problema dos limites do desenvolvimento linear diante das condições sociais e ambientais.


Tal raciocínio fugiu da vertente dominante no mundo da economia, aquela que arvora que a proteção da natureza só pode ser realizada por completo em economias ricas. É que sob a ótica do conceito clássico de demanda, se considera que o meio ambiente é uma espécie de “bem de uso”, “demandado” e “protegido” a partir de quando se atinge um determinado nível de renda. Assim, por silogismo corrompido, no campo da produção, se considera que, graças às tecnologias avançadas, os países ricos são os mais capazes de proteger o meio ambiente.


Há mais de três décadas muitos economistas, fundamentados nessa mesma “teologia” econômica, , vêm desenvolvendo uma linha de pesquisa que busca a sua confirmação na assim chamada Curva Ecológica de Kuznets - EKC.


Porém, tudo indica que as observações feitas há sessenta anos, como aquelas tratadas por Kapp e sintetizadas por Sachs - que no centro da investigação econômica se encontram o homem e as suas necessidades reais, passíveis de serem definidas, ao menos em parte, com seus parâmetros objetivos e amplamente integrados, formando um “corpus mínimos sociais existenciais”, aberto e dinâmico no tempo - se revelam inexoráveis para o desenvolvimento justo e sustentado.


A amplitude do espectro analítico da difusão dos custos sociais da produção, na acepção empregada por Kapp, sugere uma realidade que abarca desde os custos da contaminação do ar e da água, a exploração intensiva dos recursos, a investigação dos danos provocados pelo fator antrópico (enfermidades, desgraças, exploração da mão de obra feminina e de menores).


A respeito das estratégias para o desenvolvimento sustentável, Kapp sugere a gravidade da degradação ambiental e os custos sociais, tanto nos países ricos como nos pobres. E na análise da experiência das estratégias de desenvolvimento aplicadas no Terceiro Mundo mostra o fracasso de uma visão “monodimensional” que, centrada apenas na esfera econômica, tem produzido políticas pouco relacionadas com as especificidades locais e o contexto sócio-institucional, desembocado em “novos efeitos de dependência e de domínio  entre países em desenvolvimento e países industrializados”(Kapp 1977, p. 39).


“A deterioração ambiental e os custos sociais são fatores causais relevantes que constituem um importante papel negativo no processo acumulativo de desenvolvimento”. O que se faz necessário é o abandono da “falsa dicotomia entre objetivos econômicos e objetivos socioambientais” (idem, p. 42).


Então, as estratégias de desenvolvimento, de planejamento e de controle social, devem ser capazes de reorientar a distribuição dos recursos “segundo um cálculo econômico mais abrangente que considere os custos sociais no curto e longo prazo, não só os potenciais benefícios sociais derivados de modelos alternativos de distribuição dos recursos” (ibid., p. 152).


Sugere Kapp, (pp. 156-159; 1977, pp. 43- 45) que o primeiro passo para essa nova estratégia é ampliar uma prática de monitoramento do marco ambiental e socioeconômico que, por sua vez, deve se realizar através de una espécie de “inventario” que recolha indicadores e índices em várias escalas, cada um expressamente numa unidade de medida mais apropriada.


Ou seja, Kapp já formulava uma base de um novo sistema geral de contabilidade social para valorar o que ele mesmo chamava de uma multidimensionalidade incomensurável. Com a valoração do estado corrente (que denomina também de “estudos de impacto”) - em referência às condições de vida e a satisfação das necessidades primárias, a situação ocupacional, a contaminação, o estado dos recursos, as tecnologias, a localização, os fatores institucionais – constitui a base para o passo seguinte, o processo de identificação dos fins a perseguir e as possíveis linhas de intervenção.


Se considerarmos como objetivo geral a satisfação das necessidades primárias do ser humano e a proteção dos equilíbrios ecológicos e a reprodução social, o sugerido inventário constitui, então, de um lado, a premissa da investigação sobre os efeitos dos meios e os fins que deveria guiar o processo político de definição das preferências sociais e, de outro, o estímulo para a investigação de novas alternativas (p. 45). Aqui parece estar o centro do desafio para o planejamento moderno.


Exatamente na abordagem do tema do desenvolvimento Kapp mostra a importância dos estudos de factibilidade. Para poder efetuar uma planificação racional - fase em que os objetivos e as finalidades generais se traduzem em planos específicos e projetos detalhados - tais estudos deverão “definir em detalhe as interdependências técnicas e estruturais e as implicações dos planos alternativos” e compreender “a escolha da tecnologia e das ordens institucionais e administrativas necessárias para atuar no projeto a níveis razoáveis de eficiência técnica e econômica” (Kapp 1965, 123). Aí estão as premissas de uma proposta de diagnóstico e planejamento socioambiental que os manuais mais modernos buscam se basear.


Referências bibliográficas:
KAPP K. W. (1963), The Social Costs of Business Enterprise, 1978, Spokesman Books, Nottingham.
— (1976), “L’economia come sistema aperto e le sue implicazioni”, en Kapp 1991, 1-20. Trad. italiana de “The open system character of the economy and its implications”, em Dopfer 1976.
— (1977), “Development and Environment: Towards a New Approach to Socioeconomic and Evironmental Development”, em Steppacher et al. 1976.
— (1988): Soziale Kosten der Marktwirtschaft. Frankfurt a.M. (Fischer Taschenbuch). Engl. Original: The Social Costs of Private Enterprise, Cambridge 1950.

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